Delegado que fez busca na casa do filho de Lula já recebeu homenagem de político do PSDB. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 12 de outubro de 2017 às 16:22
O delegado, falando em reunião do conselho de segurança de Vinhedo

O delegado que comandou a operação de busca e apreensão na casa de Marcos Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, já recebeu homenagem da Câmara Municipal de Vinhedo por iniciativa de um vereador do PSDB.

Em setembro de 2014, quando Carlos Renato de Melo Ribeiro era delegado de polícia na cidade, o vereador Nil Ramos propôs, através de decreto legislativo, a concessão do Diploma de Mérito Policial, aprovado por unanimidade.

Nil é atualmente o presidente da Câmara na cidade, que é administrada pelo PSDB. O artigo 1o. do decreto informa Nil informa que Carlos Renato merecia a homenagem em razão dos “relevantes serviços prestados à comunidade vinhedense no setor policial, inclusive em salvamentos arriscando a própria vida”.

Na justificativa do decreto, o vereador tucano não dá exemplos dos serviços prestados, fala de vida pessoal do homenageado – casado, um filho – e da atividade acadêmica – apenas cursinhos preparatórios para concurso público.

Carlos Renato é de Campinas e, durante os anos em que trabalhou em Vinhedo, na região, teve um relacionamento intenso com a comunidade. Era assíduo nas reuniões do Conselho de Segurança.

Quando houve um aumento no número de assaltos a residências, disse que o “serviço de inteligência civil” buscava pistas com “vagabundos e traficantes” presos, para identificar os ladrões.

“Nós usamos disfarces, carros não chamativos e estratégias para observar e, no momento certo, capturar os infratores”, explicou, segundo registro de um jornal local.

O decreto legislativo, apresentado por um vereador do PSDB, que concede homenagem ao delegado

Investigação é o que não houve na operação que resultou na busca e apreensão na residência do filho de Lula.

No pedido de busca apresentado à Justiça, até foi juntado um relatório de três investigadores, que falava em movimento grande de pessoas na casa de Marcos Cláudio.

A suspeita informada era de tráfico de drogas.

Na busca autorizada pela juíza, os policiais não encontraram nada relacionado a entorpecentes e apreenderam documentos, computadores e CDs.

Informaram que o material seria enviado à Polícia Federal, mas a juíza, quando soube que não havia nada relacionado a tráfico, mandou devolver tudo a Marcos Cláudio.

O delegado foi afastado pelo governo do Estado, enquanto uma sindicância vai apurar o que verdadeiramente motivou o delegado a invadir a casa do filho do ex-presidente.

Pode ter sido só incompetência, mas pode sim ter uma operação encomendada para constranger e tentar buscar indícios para outra investigação.

Por que o produto da apreensão seria enviado à Polícia Federal?

O tráfico de drogas é usado como pretexto para bisbilhotar a vida de suspeitos e também de adversários.

Os juízes costumam ser mais facilmente convencidos de medidas agressivas quando a palavra tráfico aparece no pedido policial.

Em 1995, quando havia uma guerra de intrigas no Palácio do Planalto, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o assessor Francisco Graziano foi apontado como o autor do vazamento de um grampo telefônico que comprometia o diplomata Júlio Cesar Gomes dos Santos, amigo do então presidente.

Na investigação do grampo,  que revelava conversas que poderiam indicar lobby na contratação milionária de uma empresa americana para implantar um sistema de vigilância da Amazônia (Sivam), descobriu-se que Júlio teve o sigilo telefônico quebrado numa investigação sobre tráfico de drogas.

O  nome de Júlio foi incluído na lista de membros de uma quadrilha. A organização criminal existia, mas Júlio não fazia parte dela. Foi incluído por esperteza de policiais amigos de Graziano. E o juiz aceitou, sem verificar nome por nome.

A juíza de Paulínia que concedeu a medida para invadirem a casa do filho de Lula disse, em nota, que não havia o nome do filho de Lula no pedido, apenas o endereço.

Mas, fosse outro o morador, o caráter abusivo da medida também poderia ser denunciado.

Marta Brandão Pistelli, a juíza, informa no mandado que, havendo resistência do morador em abrir a porta ou, caso ele não estivesse presente, os policiais poderiam arrombar a porta.

Tudo isso com base em quê?

No pedido do delegado, estava escrito que a denúncia era anônima, feita por telefone, e três investigadores constaram o número grande pessoas entrando e saindo da residência (parece cascata, mas argumentos como este são suficientes para sensibilizar juízes mais ousados).

Para o criminalista Anderson Bezerra Lopes, que acaba de publicar um ensaio acadêmico sobre a denúncia anônima, não há dúvida sobre a ilegalidade da operação.

“Ela (a denúncia anônima) jamais se prestará a preencher o juízo de probabilidade exigido pela legislação processual penal para a decretação de diversas medidas de natureza cautelar, por exemplo: os indícios veementes para o sequestro de bens (art. 126, CPP); os indícios razoáveis de autoria ou participação para a interceptação das comunicações telefônicas e/ou telemáticas (art. 2º, I, da Lei nº. 9.296/96); o indício suficiente de autoria para a prisão preventiva (art. 312, caput, parte final, CPP). Nem mesmo a busca pessoal será admitida apenas com base em denúncia anônima, tendo em vista ser necessária a presença de fundada suspeita para sua realização (art. 240, § 2º, CPP), não bastando a mera suspeita”, escreveu.

Denúncia anônima, que o criminalista Anderson chama de delação anônima, já que denúncia é um conceito jurídico rigoroso, pode, no máximo, ser usado como dica para uma investigação, nunca para justificar a violação de garantias constitucionais.

Magistrados adeptos do chamado ativismo judicial tem relativizado ao extremo normas constitucionais.

Aprovada em 78o. lugar no concurso para juiz em 2006, Marta Brandão já protagonizou algumas polêmicas em Paulínia.

Por exemplo, ela determinou a demissão de todos os funcionários que ocupavam cargo em comissão na prefeitura e rejeitou a conta de um candidato a prefeito (o eleito) que havia declarado ter colocado do próprio bolso R$ 600 mil na campanha – era mais do que o patrimônio declarado dele.

No caso do filho de Lula, a juíza parece ter percebido o exagero e que talvez tivesse sido usada por um delegado de polícia com intenções não declaradas. A pedido do advogado, mandou devolver devolver tudo a Marcos Cláudio.

Mas e se não fosse o filho do Lula e a repercussão que isso teve na imprensa?

Em Santa Catarina, um reitor foi preso com base em deduragem e proibido de entrar na universidade.

Hoje acontece com eles.

Mas amanhã pode acontecer com qualquer um de nós.

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A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo divulgou nota sobre o afastamento do delegado, mas não cita o nome da autoridade afastada. Nos jornais, dois delegados de Paulínia são apontados como responsáveis pela investigação — além de Carlos Renato, Rodrigo Galazzo. Solicitei a informação correta à Secretaria, para saber o nome de quem, efetivamente, foi afastado. Até agora, não recebi resposta. A seguir, a nota da secretaria: