Depois de censurar blog do jornalista Marcelo Auler, delegada da Lava Jato o processa criminalmente

Atualizado em 20 de outubro de 2017 às 11:58
A delegada Érika Marena entre atores do filme da Lava Jato

Publicado no blog do Marcelo Auler.

Após obter, em maio de 2016, no 8º Juizado Especial Civil de Curitiba, a censura de duas matérias do Blog, a delegada federal Erika Mialik Marena conseguiu abrir uma ação penal contra o editor desta página junto à 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

A queixa crime apresentada em agosto de 2016 – inicialmente na Justiça Estadual que entendeu ser da competência da Justiça Federal – refere-se à reportagem “As marcas da Lava Jato” publicada na edição de 19 de fevereiro de 2016 pela revista CartaCapital.

No Blog, estão proibidas as reportagens Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos  vazamentos  (16/03/18) e Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão(22/03/16).

Antes de apresentar a queixa-crime contra o jornalista, a delegada ajuizou na 8º Vara Cível de Curitiba ação de indenização contra a Editora Confiança (responsável pela CartaCapital) e o autor da matéria. Reivindica uma indenização de R$ 100 mil. Além disso, tal como fez e obteve no 8º Juizado Especial Civil de Curitiba, tentou censurar a reportagem no site da revista.

A juíza Carolina Fontes Vieira em sua decisão negou a censura pedida pela delegada Érika

Censurar, não – Ao rechaçar tal pedido, a juíza Carolina Fontes Vieira ressaltou que a pretensão da delegada “fere preceito constitucional”. Foi além. Mesmo considerando ser um “juízo de cognição sumária”, entendeu que a reportagem contestada pela delegada “se revela de interesse público” e que “as informações delineadas na exordial não parecem extrapolar o direito à informação” (grifo nosso). Na decisão a juíza esclarece:

A liberdade de imprensa embora não constitua em direito absoluto – na medida em que não existem direitos fundamentais ou mesmo bens constitucionalmente protegidos com tal característica – constitui-se em corolário do Estado Democrático de Direito, razão pela qual deve ser prestigiada no presente caso, eis que a notícia divulgada se revela de interesse público e, em um juízo de cognição sumária, por ora, não ultrapassa os limites da liberdade de expressão.

Vale dizer, entende-se que a liberdade de imprensa e de expressão encontra limites no próprio ordenamento jurídico, em especial nos chamados “direitos da personalidade”, entretanto, tais limites devem ser ponderados com cuidado, eis que, por ora, as informações delineadas na exordial não parecem extrapolar o direito à informação“. (grifo nosso).

A reclamação da delegada versa exclusivamente sobre um pequeno trecho, inserido em não mais do que 19 linhas, na quinta página da reportagem que se estende por 605 linhas editadas em 8 páginas da revista.

Tal como nas matérias censuradas no Blog, o trecho que é taxado pelo advogado dela como ofensivo (caluniador e difamador) e sensacionalista, fala do depoimento de um colega de Erika, o delegado federal Paulo Renato Herrera, à delegada federal Tânia Fogaça, da Corregedoria Geral do Departamento de Polícia Federal (COGER/DPF), em novembro de 2015, no Inquérito Policial (IPL) 737/2015.

A partir de um trecho de 19 linhas, meramente narrativo, inseridas no meio de um total de 605 linhas da matéria da revista CartaCapItal que tentaram censurar, o jornalista é acusado de sensacionalista

Esse inquérito  investigação foi aberta a partir de informes elaborados pelo delegado federal Igor Romário de Paulo, chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR) da Superintendência Regional do DPF no Paraná (SR/DPF/PR). Com base em “fontes humanas”, jamais identificadas, criaram a versão da existência de um dossiê contra a Operação Lava Jato.

O IPL surgiu após a repórter Julia Duailibi divulgar no Estado de S. Paulo, em novembro de 2014, as postagens no Facebook de diversos delegados da Lava Jato em campanha pró-candidato tucano à presidência, Aécio Neves.

Exaltavam Aécio e criticavam duramente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua candidata Dilma Rousseff.

Indiciamento revogado – Após identificarem Herrera como possível responsável por repassar as postagens do Facebook, surgiram os informes falando da existência de um dossiê com “informações sigilosas” contra a Operação.

O IPL 737 foi instaurado em 30 de março de 2015. Mais de dois anos depois, nada ficou provado. Jamais um dossiê foi encontrado. Além disso, vasculharam a vida dos supostos envolvidos e não obtiveram qualquer prova de ganhos ou mesmo alguma irregularidade.

Além de Herrera, foram alvo do IPL o ex-agente da Polícia Federal Rodrigo Gnazzo e dois advogados. Os quatro chegaram a ser indiciados por corrupção imaterial (após não encontrarem dinheiro ilícito com os mesmos, alegou-se que o interesse deles era a queda da chefia da Superintendência do DPF no Paraná).

Mas, até hoje o Ministério Público Federal (MPF) não formalizou denúncia por qualquer crime. Sem que o caso andasse, em fevereiro passado o juiz Marcos Josegrei, da 14ª Vara Federal Criminal de Curitiba, revogou o indiciamento de todos.

Foi nesse inquérito que Herrera, ao depor, em novembro de 2015, revelou à delegada Tânia a estratégia usada pela equipe da Lava Jato de vazar informações sigilosas à imprensa, como forma de garantir a continuidade das investigações.

Denúncias jamais investigadas – Não se limitou a isto. Falou ainda de outras irregularidades. Elas eram negadas pelos operadores da Lava Jato, mas acabaram confirmadas. Por exemplo, as escutas ilegais colocadas na cela de Alberto Youssef e no “fumódromo” da Superintendência.

Herrera imaginava que a Corregedoria do DPF fosse investigar as irregularidades. Houve sindicâncias que confirmaram a existência dos dois grampos ilegais, não por conta da denúncia de Herrera, mas pela confissão do agente de Polícia Federal, Dalmey Fernando Werlang. Já com relação aos vazamentos de informações sigilosas à imprensa como forma de “proteger” a Operação, nada foi feito.

O que decidiram investigar, através do inquérito 03/2015/COGER/DPF, instaurado a pedido do procurador regional da República Januário Paludo, foram os policiais federais que compareceram – após convocação – à CPI da Petrobras.

O procurador considerou criminoso repassar ao deputado federal Aluisio Mendes Guimarães Filho (PODE-MA), membro da CPI, a portaria que instaurou o IPL 737/2015.

A suspeita recaiu sob o delegado Mario Renato Fanton e o agente Dalmey Fernando Werlang. Fanton foi quem ouviu a confissão de Dalmey sobre os grampos e vem sendo investigado desde então. Sem tréguas.

Por conta da portaria entregue ao deputado, os dois acabaram indiciados pela delegada Tânia, pouco antes dela ser removida da Corregedoria Geral do DPF. Ou seja, as investigações de vazamento na Lava Jato também são seletivas.

(…)