Desde a ditadura ninguém metia a mão no bolso do povo desse jeito. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 10 de abril de 2015 às 22:43
Protesto contra o assalto
Protesto contra o assalto

A última vez que meteram as mãos nos bolsos dos trabalhadores foi na ditadura militar.

O governo Castelo Branco logo disse a que veio e extinguiu a estabilidade no emprego, um dos itens mais reluzentes dos direitos trabalhistas conquistados na Era Vargas.

Em seu lugar, para facilitar as demissões, e nada mais do que isso, veio o FGTS.

O fim da estabilidade foi uma das coisas vitais para que a ditadura acentuasse a desigualdade social no país.

Os ricos ficaram mais ricos e os trabalhadores perderam. Ditaduras de direita sempre funcionam assim.

Meio século depois, um novo assalto aos direitos trabalhistas acaba de ser feito com a aprovação do projeto de terceirização – e é extraordinário que tenha sido obra de congressistas.

Deputados dependem do voto para se eleger e se manter. Por isso, ninguém espera que tomem medidas tão impopulares como a terceirização. É coisa para ditaduras, como aconteceu quando foi posto fim à estabilidade.

Generais não têm compromisso com as urnas.

Que os congressistas tenham feito o que fizeram contra os interesses dos trabalhadores mostra não apenas quanto é conservador este Congresso – mas como os deputados perderam o sentido de pudor e, mais que isso, de sobrevivência política.

Os eleitores haverão de se lembrar de um por um entre os que disseram sim.

O caso mais simbólico é o do presidente do Congresso, Eduardo Cunha. Suas ambições presidenciais morreram com a terceirização. A voz rouca das ruas jamais o perdoará.

Cunha obteve uma vitória no curto prazo, mas arremessou ao lixo suas chances de virar presidente em 2018.

Se há um fato positivo no drama da terceirização, ei-lo.

Os argumentos a favor do projeto não poderiam ser mais hipócritas. Num editorial, o Globo festejou a terceirização porque “corta os custos” das empresas e “aumenta a produtividade”.

Eis o Globo sendo o velho Globo de guerra. A criação do 13.o salário por João Goulart foi tratada como uma calamidade pelo jornal.

Para empresas como a Globo, o mundo ideal é aquele em que o trabalhador não tem direito nenhum além de se esfolar pelos patrões.

É a mentalidade que floresceu entre os capitalistas até meados do século 19. Coube à Alemanha, sob Bismarck, sistematizar as primeiras leis trabalhistas – férias, limite de horas, pensão.

Não que Birmarck fosse bonzinho, mas porque a plutocracia alemã temia a força crescente da esquerda, inspirada por um certo Karl Marx.

De lá para cá, as leis trabalhistas ganharam o mundo. No começo dos anos 1900 a Inglaterra também adotou sua legislação trabalhista que refletia os novos tempos.

É triste notar que, no Brasil, a vida dos trabalhadores só melhoraria muito tempo depois, com Getúlio Vargas, o maior dos presidentes brasileiros.

As empresas nacionais precisam mesmo de salários menores?

A melhor resposta está, mais uma vez, na Globo. Considere a fortuna pessoal dos Marinhos, a família mais rica do país.

É uma obviedade que, se os custos brasileiros fossem elevados, os Marinhos não teriam acumulado uma fortuna tão abjeta.

A terceirização, como o fim da estabilidade, vai contribuir para o crescimento da desigualdade do país.

A desigualdade é o maior problema brasileiro, sabemos todos.

Pois o gesto obsceno dos deputados torna este problema ainda pior do que já é.