O jornal ocupado por jornalistas em MG foi do prefeito elogiado no impeachment e preso no dia seguinte. Por Miguel Enríquez

Atualizado em 1 de junho de 2017 às 20:46
Sede do Hoje em Dia ocupada em BH

Um grupo de cerca de 200 ex-funcionários do jornal Hoje em Dia, ocupou, nesta quinta-feira, 1, a antiga sede da publicação, na Rua Padre Rolim, em Belo Horizonte. Demitidos em fevereiro do ano passado, os ex-funcionários afirmam ainda não ter recebido seus direitos trabalhistas, além do salário do último mês no emprego.

Na época,  praticamente falida, a Ediminas, proprietária do jornal, foi vendida a um grupo de empresários, do qual faria parte o ex-prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz.

Atualmente abandonado e em péssimo estado de conservação, o  prédio foi citado na delação de Joesley Batista, da JBS, sobre suas ligações perigosas com o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Segundo Joesley, a JBS adquiriu em novembro de 2015 o imóvel, como forma de esquentar uma operação de repasse ilegal de recursos para o pagamento de dívidas de campanha pelo enrolado senador, mais conhecido como “mineirinho” pela turma da Lava Jato. O valor da compra, efetuada pela J&F, holding que controla a JBS, foi de R$ 17.354.824.

Desse total, R$ 14 milhões foram pagos à Ediminas – o restante teria sido embolsado pelo senador. Em sua delação, o empresário afirmou que o próprio Aécio indicou a aquisição do “predinho”, que estava visivelmente superfaturado e no qual a JBS não tinha o menor interesse. “Não estávamos atrás de comprar um prédio em Belo Horizonte”, afirmou aos procuradores.

O ex-prefeito de Montes Carlos, Ruy Muniz

Pelo lado editorial, a exemplo da maior parte da imprensa mineira, o pasquim se notabilizou pelo engajamento total no apoio ao tucano Aécio Neves.

Um dos pontos altos do anti-jornalismo praticado pelos editores do Hoje em Dia foi a manipulação de uma pesquisa eleitoral, produzida pelo instituto Veritá, que apontava uma vantagem de 14 pontos de Aécio sobre Dilma, às vésperas do segundo turno.

Conforme denunciaram o proprietário do instituto, Adriano Silvoni, e o responsável pela pesquisa, Leonardo de Assis, a pesquisa havia sido feita com dados de todo o país, o que impossibilitava a utilização dos dados em separado por Estado. Desnecessário dizer que os números falseados foram utilizados pela campanha do tucano na TV como se fossem verdadeiros, comprometendo, inclusive a credibilidade do Véritas.

Como apurou a Lava Jato, o engajamento do Hoje em Di, foi devidamente recompensado, não apenas pela contribuição da JBS. Segundo os peritos da Polícia Federal, a Ediminas Editora Gráfica, dona do jornal, foi contemplada, entre outros, com um repassse direto  não declarado de R$ 2,5 milhões, efetuado pela construtora Andrade Gutierrez, uma das principais financiadoras da campanha de Aécio.

No entanto, o apoio incondicional do Hoje em Dia a Aécio acabou sendo de pouco valia, tanto para o candidato, quanto para a Ediminas. Com 5.428.821 votos, Aécio foi fragorosamente derrotado por Dilma Roussef, que obteve 5.979.422 votos.

Humilhação suprema, no Estado que governou por dois mandatos obteve apenas 47,59% dos sufrágios, abaixo dos 48,36% de sua média nacional. Além disso, seu candidato Pimenta da Veiga ficou a 11 pontos percentuais do governador eleito, o petista Fernando Pimentel (53% contra 42%).

Por outro lado, as maracutaias praticadas em seu departamento comercial e na redação de seu jornal não impediram que a Ediminas entrasse em estado falimentar. Em fevereiro de 2016, o Hoje em Dia foi passado adiante a um grupo encabeçado pelo empresário Ruy Muniz, à época prefeito do município de Montes Claros.

Sim, ele mesmo. Trata-se do mesmíssimo prefeito mineiro homenageado como um exemplo de probidade a ser seguido por sua mulher, a deputada federal Raquel Muniz (PDS-MG), ao votar sim pela abertura do processo de cassação da presidente Dilma Rousseff. “Meu voto é pra dizer que o Brasil tem jeito, e o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com a sua gestão”, afirmou a caricata Raquel, dando pulinhos de satisfação na dantesca sessão da Câmara na tarde daquele domingo, 17 de abril.

O mito durou menos de 24 horas. No dia seguinte, dois meses depois de assumir o controle do Hoje em Dia seu marido, eleito pelo PSB, foi preso pela PF, acusado de crimes de estelionato, prevaricação, falsidade ideológica, entre outros. Candidato à reeleição, em 2016, foi derrotado nas urnas pelos eleitores de Montes Claros.

Em resumo: o Hoje em Dia, fundado em 1988 pelo ex-governador Newton Cardoso, que até a ascensão de Aécio Neves notabilizou-se como um “primus inter pares” da corrupção na política  mineira, está em boas mãos. Seguramente, não fugirá à sua tradição.