Dois idosos pagarão pelo crime ambiental da Paraty House — e o sobrenome deles não é Marinho. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 21 de março de 2017 às 16:45
A Paraty House
A Paraty House

Esta reportagem é parte da série financiada através de crowdfunding no DCM.

 

Está marcada para o próximo dia 28, terça-feira da semana que vem, na Justiça Federal em Angra dos Reis, a audiência de instrução e julgamento do processo por crime ambiental contra os proprietários do tríplex na praia de Santa Rita, em Paraty.

A propriedade, concluída em 2009, sempre foi usada pela filha de João Roberto Marinho, mas nem ela, Paula Marinho, nem o agora ex-marido, Alexandre Chiapetta de Azevedo, ou o próprio João Roberto foram investigados.

Quem já pagou pelo crime de construir muito além do limite permitido, em uma área de proteção ecológica — e sem licença ambiental — foi um homem que completará 75 anos de idade em outubro próximo e mora num apartamento do bloco 2 de um condomínio modesto em Andaraí, no Rio de Janeiro.

Trata-se de Antônio Abílio Ferreira Teixeira, engenheiro civil, que assinou o pedido de alvará na Prefeitura de Paraty para construir a mansão.

Como a obra não respeitou os limites permitidos e não havia licença das autoridades ambientais, ele se tornou réu no processo e foi condenado a pagar cerca de 2.000 reais em produtos para um asilo de Paraty.

Outra pessoa responsabilizada pela construção é Lúcia Cortes Pinto, que também assina Lúcia Cortes Rosemburgue, que tem 72 anos de idade e mora num apartamento do bloco 1 de outro condomínio modesto do subúrbio do Rio de Janeiro, no bairro do Grajaú.

Na época da construção, Lúcia Cortes foi registrada como sócia minoritária da Agropecuária Veine, a real proprietária da mansão, em janeiro de 2005.

O sócio majoritário dela na época, com 90% das cotas, era a Blainville International Inc., pessoa jurídica panamenha, com endereço em Panama City, Aquilino de La Guardiã, nº 8.

Uma pesquisa no Panama-Companies.com, site de busca de pessoas jurídicas panamenhas, informa que não há registro de seus diretores, nem endereço físico ou virtual. Existe apenas um código que identifica a empresa e a data do registro, dia 25 de março de 2004.

Alguns meses depois de entrar na sociedade,  Blainville se retirou da empresa e foi admitida como controladora da Agropecuária Veine a Vaincre LLC, pessoa jurídica de Nevada, estabelecida em Las Vegas, representada pela mesma Lúcia Cortes, a senhora que tem mais de 70 anos e mora no Grajaú.

Vaincre é uma das empresas relacionadas no escândalo conhecido como Panama Papers, um conjunto de papéis de empresas abertas em Paraíso Fiscal apreendidos numa investigação internacional sobre lavagem de dinheiro.

Essas empresas, normalmente abertas para movimentar dinheiro sujo, seja da corrupção, da sonegação ou do tráfico de armas ou drogas, têm como regra ocultar seus reais proprietários.

Quando os proprietários são descobertos, por vias indiretas, em países civilizados as consequências são sérias.

David Cameron, então primeiro ministro da Inglaterra, teve que vir a público se explicar quando seu nome apareceu ligado a uma offshore. Na Islândia, o primeiro-ministro renunciou.

No Brasil, nada aconteceu quando a Polícia Federal encontrou no escritório da Mossak & Fonseca, em São Paulo, um dos tentáculos do Panama Papers, cópias de e-mail e anotações que não deixam dúvida sobre o envolvimento de Paula Marinho com a Vaincre, controladora do Agropecuária Veine.

Era Paula Marinho quem pagava as taxas de manutenção da offshore.

Ao invadir a Mossak & Fonseca, a Polícia Federal queria provas que incriminassem Lula e outros petistas, por causa do tríplex do Guarujá. Encontrou Paula Marinho e mudou de assunto.

O processo criminal sobre a Paraty House também passou batido pela denúncia de que a família Marinho era responsável pela violência contra a natureza e pela privatização da praia e do mar, em Paraty.

Tudo começou com a denúncia de um turista, em agosto de 2009, encaminhada por e-mail ao Ministério Público Federal.

Diz o resumo da denúncia, anexada ao processo:

“A existência de um deck de grandes proporções, junto à praia ‘particular’ da família do falecido sr. Roberto Marinho, fundador das Organizações Globo, em praia próxima ao cais da cidade de Paraty/RJ, bem como, conforme relatado por moradores dessa cidade, a proibição do uso da referida praia pelos populares, e o emprego de seguranças no local para restringir o livre acesso à praia, sem falar da agressão ao meio ambiente pela construção desse deck e da própria casa de praia com dimensões imprópria para o local de Mata Atlântica”

Um inquérito civil público foi aberto primeiramente e deu origem a um inquérito criminal, na Polícia Federal.

O Instituto Chico Mendes esteve na área no dia 13 de março de 2010, por determinação do Ministério Público Federal, e produziu um relatório que não deixa dúvida sobre a apropriação do espaço público pelos proprietários da área.

As analistas ambientais Renata de Faria Brasileiro e Graziela Moraes Barros narram no relatório que foi encaminhado à Justiça como foram recebidas no local. Seguranças armados a abordaram logo que desceram do barco:

– A senhora está querendo arrumar confusão? – pergunta o segurança.

– Eu? Por qual motivo? – diz uma das analistas.

-Aqui é propriedade particular! – diz o segurança (a exclamação está no original).

– Onde? Aqui na praia? – responde a analista.

– Aqui não é praia! Eles compraram! – afirma o segurança.

– A areia é deles? – questiona a analista.

– Você por acaso sabe onde é o limite da propriedade? – rebate o segurança.

– E os brinquedos sobre a areia da praia são deles também? – continua a analista, no debate tenso com o segurança, acompanhado, de longe, por um casal, que, na interpretação das analistas, era o casal proprietário do tríplex.

– Sim, já falei. É tudo particular! – diz o segurança. A senhora quer confusão? Vou ligar agora mesmo para a Capitania dos Portos e verificar a regularidade de seu barco! Estou ligando!

– Ok! – concorda a analista. Podemos nadar naquela piscina que está sobre a areia? – prossegue a analista, com o objetivo de obter resposta que demonstrasse a posse sobre área pública.

– Não, é propriedade particular! Eu posso entrar na sua casa?

Finalizando o diálogo, uma das analistas, segundo o relato encaminhado à Justiça, argumenta:

– Mas nós não moramos na beira da praia.

Sete anos se passaram desde que esse relatório foi elaborado e no próximo dia 28 a Justiça terá, mais uma vez, a oportunidade de descobrir quem é o responsável pela privatização do espaço público e a violação das leis ambientais, na praia de Santa Rita.

Na Justiça, fora dos autos, oficiais de justiça, escrivães e até juízes, sabem que a responsabilidade não é dos idosos tornados réus na ação: o septuagenário Antônio Abílio Ferreira Teixeira e a septuagenária Lúcia Cortes Pinto ou Lúcia Cortes Rosenburgue.

Antônio já pagou pelo crime ambiental, a senhora Lúcia já está indiciada e denunciada, mas ainda não compareceu à Justiça. Foi intimada várias vezes e ignorou todas as intimações.

Na audiência do dia 28, ela é esperada mais uma vez – sem condução coercitiva. Se comparecer, será instada a falar? Dificilmente. Uma pessoa que participou da investigação comentou, com a condição de anonimato:

– Esse processo não é a Lava Jato. Se fosse, era só prender para a pessoa delatar tudo.

Mas, na Polícia ou na Justiça, existe alguém querendo ouvir uma delação que envolva a família Marinho?