‘Don Draper morreu’: o ator Jon Hamm fala de ‘Mad Men’, dos planos para o cinema (e do bico num filme pornô)

Atualizado em 7 de julho de 2014 às 16:29

 

Antes de “Mad Men”, Jon Hamm era um ator relativamente desconhecido lutando para encontrar trabalho em Hollywood. Uma vez que ele conseguiu o papel de Don Draper, no entanto, tornou-se sinônimo do arrojado guru de uma agência de publicidade.

Mas agora que a série está terminando após sete temporadas em sua maioria brilhantes, o que será de Jon Hamm? Essa é uma pergunta que o ator de queixo quadrado tem tentado responder, agora que está finalmente livre de seu personagem. Hamm fez um trabalho tão incrível transformando Draper em um ícone cultural que vai levar tempo até o público poder separar os dois.

O primeiro passo nesse processo é “Million Dollar Arm”, um filme de beisebol sobre um agente esportivo em apuros que vai para a Índia, um país lendário por suas estrelas de críquete, e inicia um reality show que lhe permite descobrir dois rapazes a quem ele tenta converter em arremessadores. Baseada em uma história real, a produção da Disney representa um marco para Hamm, pois marca o seu primeiro papel principal em um filme depois de uma série de participações como coadjuvante.

Ainda este ano, Hamm também pode ser visto estrelando em “O Som e a Fúria”, adaptado do clássico romance de William Faulkner e dirigido por James Franco.

Em pessoa, Hamm é muito mais extrovertido e bem-humorado do que o atormentado alcoólatra Don Draper. Mora há 16 anos com a atriz / roteirista / diretora Jennifer Westfeldt (“Numb3rs”, “Amizade Colorida”). “Nós estamos essencialmente casados, exceto pelo papel e pelos anéis”, diz.

Jon, é difícil dizer adeus a Don Draper? 

Estou muito orgulhoso do trabalho que fizemos em “Mad Men”. Don Draper é um dos maiores papéis que você pode pedir para interpretar. Há um certo nível de esforço que vem com o personagem. Ele tem esse lado formidável e carismático, mas também é muito atormentado. Ele não é um homem muito bom quando você considera como tratou as pessoas ao longo dos anos. Eu gosto de Don, mas ele tomou quase dez anos da minha vida e isso é o suficiente. Estou triste que eu não vou ver mais todos os amigos que fiz, mas não haverá qualquer dificuldade em dizer adeus a ele. Don Draper morreu.

Você se preocupa com o fato de estar tão identificado com o personagem e com “Mad Men?” 

Devo muito a esta série e é uma honra ser conhecido por esse trabalho. Sinto-me orgulhoso de fazer parte de uma série que tem alguns dos melhores textos já escritos para a TV e que já é considerada um clássico… Eu sou incrivelmente grato por ter sido convidado a fazer parte de alguns outros projetos divertidos, como “Saturday Night Live”, “30 Rock”, “Bridesmaids” ou o que quer que seja. Eles têm sido bastante diferentes de Don Draper e eu acho que as pessoas têm notado essa diferença.

Incomoda que o público tende a confundi-lo com Don Draper? 

Eu entendo esse sentimento de identificação, mas eu acho que as pessoas devem saber que temos muito pouco em comum. Eu aproveito a vida muito mais e tenho uma visão muito mais saudável do mundo. Pelo menos, espero que sim.

Don Draper é, de certa forma, um cara desprezível, então por que eu iria querer levá-lo para casa comigo eu não sei… é uma coisa estranha. As pessoas me dizem que olham para Don como olham para Tony Soprano ou Walter White [de “Breaking Bad”]. As pessoas têm essa fascinação estranha por pessoas que, na realidade, você não gostaria de ser por um segundo.

Alguma coisa de Draper penetrou em sua própria personalidade — inconscientemente, talvez? 

Não que eu saiba! O cara não é alguém que eu aspire imitar exceto, talvez, pela maneira como rouba a cena quando entra em ação. Eu não gostaria de me espelhar nele por seu comportamento. Ele pode ser muito cruel às vezes, e eu nunca iria querer tratar as pessoas daquela forma. Ele também criou uma fachada para si mesmo e se forçou a mentir sobre o seu passado. Eu sei que o público pensa nele como incrivelmente dinâmico e carismático, mas eles também tendem a ignorar suas falhas.

Você perdeu seus pais muito cedo. A dor que vem de tal perda de alguma forma ajudou a criar Don Draper? 

Não é algo que eu explore… O que você experimenta na sua infância inevitavelmente molda você e muda sua percepção da vida, mas cabe a você a lidar com os momentos difíceis e seguir em frente. Eu passei por momentos duros, especialmente depois da morte de meu pai, quando estive deprimido por um tempo.

Eu certamente posso entender sensação de se sentir perdido e ser ferido. Ainda assim, eu sei o que é ter que trabalhar duro, o que é passar alguns anos vivendo em sofás em casas de outras famílias e o que é encontrar o seu caminho de volta.

Você já disse no passado que sempre foi cauteloso em se sentir muito feliz quando as coisas estão indo bem. 

Quando você já passou por tempos difíceis, aprende a se proteger contra a decepção. Você se preocupa que as coisas possam desmoronar novamente e passa a ser cauteloso. Talvez seja parte de mim e algo que eu trouxe para o papel.

Você chegou a trabalhar como assistente em um filme pornô, certo?

Uma garota que eu conhecia me ofereceu um trabalho como assistente em um filme pornô soft-core. Eu estava desesperado atrás de dinheiro naquele tempo e o pagamento era de 150 dólares por dia… Mas era terrivelmente deprimente. Não havia sexo realmente, era tão triste. Os atores estavam mortos, mas tentavam dar o melhor. Trabalhar em filmes pornográficos está definitivamente na extremidade inferior do espectro da maravilha do cinema.

Como você se envolveu com “Million Dollar Arm?” 

Eu sou um fã de beisebol desde que eu era um garoto em St. Louis e, quando eu li o roteiro, imediatamente me apaixonei pela história. É uma história muito edificante e inspiradora, uma história real sobre estes meninos da Índia, sobre a sua ética de trabalho e seu compromisso, e como valeu a pena, quando, finalmente, eles vieram para os EUA. Eu também estava ansioso em fazer algo mais leve depois de “Mad Men” e achei que este era o primeiro grande passo nessa direção.

O papel de Don Draper transformou-o em um símbolo sexual. Há alguma vantagem nisso? 

Pode haver algum benefício, mas é difícil dizer.  A melhor coisa sobre isso é que ele torna mais fácil para os produtores colocá-lo em um grande filme porque você tem algum reconhecimento do público. Isso é uma coisa fundamental para qualquer ator e é claro que eu sou grato por Draper me ajudar a não me preocupar com o aluguel.

Mas eu nunca pensei em mim como tendo a presença de um Brad Pitt ou George Clooney. Antes de “Mad Men”, ninguém nunca pensou em mim nesses termos e minha esposa teria rido se algum jornalista me descrevesse como um símbolo sexual. Mas quando você interpreta um personagem carismático desses, aumentam as chances de isso abrir muitas portas.

Você também é uma raridade em Hollywood por conta de seu relacionamento duradouro com Jennifer Westfeldt.

Jennifer tem sido uma presença marcante e maravilhosa em minha vida. Eu estou contente de ainda ser capaz de desfrutar de uma vida muito boa com ela depois de todo esse tempo. Eu a conheci quando estava em um ponto muito baixo na minha vida e me perguntando se eu poderia ser um ator. Lembro-me de dirigir por LA no meu velho Volkswagen Rabbit que estava à beira de desmoronar a qualquer momento. Mas ela era uma daquelas mulheres graciosas e generosas que acreditaram em mim e me apoiaram, apesar de minhas perspectivas não serem tão boas. Sua fé me manteve vivo.