“Dopasmina”: o machismo no nome da turma de medicina da UFPB. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 19 de agosto de 2016 às 1:58

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Em entrevista concedida em junho ao jornal L’humanité, o médico e romancista francês Martin Winkler declarou que “na França, a seleção dos estudantes de medicina ocorre sobretudo entre os jovens das classes mais favorecidas. E esses estudantes são educados para tratar pacientes de sua própria classe e não de setores operários nem sub-proletariados. É por isso que a formação medica deixa a entender, para os estudantes, que dentro da própria medicina existe uma elite, e que isso os motiva a tornarem-se parte dessa elite. Pensando nesse sentido, isso significa que ‘alguns’ valem mais que ‘outros’.”

A situação francesa parece se repetir no Brasil. Além dos absurdos do dia-a-dia e da notícia assombrosa divulgada no mês passado, de um médico brasileiro que fez chacota de um paciente que não sabia pronunciar corretamente “pneumonia”, uma turma de alunos de medicina da Universidade Federal da Paraíba se auto-intitulou “dopasmina”, numa incontestável referência à cultura de estupro, e utilizou a alcunha para seu time de futebol.

A polêmica veio à tona depois que, criticados pelo nome da turma e do time, os alunos ainda tentaram defender seu direito de escolha, o que gerou uma nota de repúdio do Coletivo Feminista Nise da Silveira (UFPB), assinado também por mais outros 37 coletivos.

Em sua nota de esclarecimento, publicada ontem, a turma “dopasmina” insiste que o epíteto é uma referência ao neurotransmissor dopamina, sem a “intenção de fazer apologia ao estupro ou de desrespeitar as mulheres”.

Embora o grupo dopasminas, agora intitulado “turma 99”, tenha pedido desculpas, não deixa de ser preocupante a atitude de continuar negando o caráter extremamente machista e incitador de violência do nome da turma, que claramente não se refere apenas à substância. Segundo o Coletivo Nise da Silveira, o trocadilho dopasmina é um termo bastante utilizado pelos estudantes de medicina de todo o país ao nomear festas e eventos, onde ocorrem diversas tentativas e abusos sexuais às mulheres, a maioria realizada por futuros médicos e acobertada pela própria universidade e centros acadêmicos. É notável a falta de empatia da turma com diversas vítimas e também com as colegas que, mais uma vez, se encontram a mercê do machismo e da cultura do estupro”.

Quando a própria classe médica, que supostamente deveria proteger e informar a população dá rédeas à cultura de estupro, reproduzindo comportamentos intolerantes, preconceituosos e machistas, torna-se difícil ter referências seguras daqueles que cuidam de nossa saúde.

É necessário repensar a formação de médicos no Brasil, visando sobretudo a construção de empatia e solidariedade entre médico e paciente, e não apenas uma mera marionete da indústria farmacêutica ou a escolha mais fácil de profissão para aqueles que visam estritamente o lucro.

Como bem disse Martin Winkler em sua entrevista, de maneira sucinta e direta, infelizmente “os preconceitos dos médicos são os preconceitos de classe”.