Doria já lutou para manter estatal deficitária e hoje quer privatizar cemitério. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 25 de junho de 2017 às 10:35

O prefeito João Doria iniciou o que pode ser definido como um processo agressivo de privatização dos bens e serviços públicos de São Paulo, primeiramente com a concessão para a iniciativa privada dos cemitérios.

Mas não foi sempre assim.

Em 1986, quando o prefeito Jânio Quadros extinguiu a Paulistur, da qual Doria era presidente, o atual prefeito fez uma campanha para tentar transferir a empresa pública para o governo do Estado, cujo titular era seu padrinho, Franco Montoro, amigo de seu pai.

Ao inaugurar um prédio no Anhembi, Doria fez um discurso atacando a decisão de Jânio, e disse que o prefeito fecharia a Paulistur “por vingança” ou por “incompetência para administrar”.

No discurso, Doria elogia os funcionários da empresa e promete empenho para arrumar uma colocação para cada um deles, caso sua proposta para transferir o Anhembi para o governo do Estado não se concretizasse.

E não se concretizou.

Uma das razões é que a Paulistur era uma empresa deficitária, ao contrário do que dizia Doria. Outra é que a dívida da empresa era gigantesca e, aparentemente, impagável.

O Banespa, o banco estadual, era seu principal credor e mesmo assim não quis executar a dívida para assumir seu controle acionário. O retorno financeiro não compensava.

O único beneficiário da manutenção da Paulistur seria o próprio Doria, o homem que mais recentemente vendeu a imagem de que era um gestor, não um político, e com esse discurso derrotou todos os candidatos e teve uma vitória acachapante nas urnas.

Mas ele sempre foi político.

Em 1985, ele já estava em campanha para se eleger deputado federal constituinte, cujas eleições só ocorriam em novembro do ano seguinte.

A uso da Paulistur como um instrumento para um projeto político individual chamou a atenção do então prefeito Mário Covas, que fez chegar a Montoro que as pretensões do Doria não eram de defesa do interesse público.

Com as feiras e os eventos na cidade, como o Carnaval, a Paulistur tinha um caixa e fornecedores que poderiam ser usados para Doria construir um núcleo político independente do PMDB (O PSDB só nasceria dois anos depois) e até rivalizar com os líderes do partido, entre eles o próprio Covas, Montoro, já em idade avançada, e Fernando Henrique Cardoso.

Quércia, que se elegeria governador, já tinha um núcleo próprio.

Doria tinha 28 anos da idade, mas era visto com um apetite político insaciável. O grupo de Montoro cortou as asas do filho de João Doria, este sim um político respeitado pelos líderes do PMDB, aqueles que se uniram na luta contra a ditadura.

Doria não se candidatou e acabou assumindo a Embratur, no governo federal, depois de um lobby intenso.

Um jornalista que cobria a área de turismo disse que até Jorge Amado, amigo do pai de Doria, telefonou para então presidente, José Sarney, e pediu o cargo para o Dória Júnior.

Sarney aceitou, apesar da resistência que havia.

Poucos meses antes, Doria havia assinado um artigo, publicado na Folha de S. Paulo, atacando a Embratur. O título da reportagem era “Nova República abandona o turismo”.

Doria assumiu e acabou se aproximando de Roseana Sarney, a quem apoiou no período de separação de Jorge Murad, quando ela foi morar no Rio de Janeiro, sede da Embratur, onde o presidente morava.

Doria ocupava uma suíte do Caesar Park, com diárias de cortesia.

O filho de João Doria ficaria dois anos no cargo, quando saiu, acusado de desvio de verbas, num processo que correu durante seis anos no TCU, em que foi absolvido, apesar dos ministros reconheceram sua gestão como danosa para o patrimônio público e com procedimentos irregulares, que teriam que ser corrigidos.

O episódio da luta para manter a Paulistur deficitária e agora a corrida para entregar até os cemitérios para a iniciativa privada mostram que Doria não é liberal nem estatizante.

Ele é só um político atento às melhores oportunidades.