É decente usar o filho de Lula para caçá-lo? Por Paulo Nogueira

Atualizado em 7 de fevereiro de 2016 às 20:53
Mark com a mãe Margaret Thatcher
Mark com a mãe Margaret Thatcher

Agora é um filho de Lula que está nas manchetes, acusado de haver recebido 500 mil reais do Corinthians sem haver trabalhado.

Para além dos detalhes do caso, o que deve ser debatido, urgentemente, é qual o limite para a caçada brutal a Lula.

Lula deve responder por qualquer coisa que um filho faça? É uma insanidade. Isso só se explica pelo objetivo de destruir Lula.

Vale a pena comparar o tratamento dado, no Reino Unido, aos escândalos em torno do filho de Margaret Thatcher, heroína dos que caçam Lula.

Uma biografia recente de Thatcher conta o seguinte.

“Em novembro de 1980, Margaret Thatcher, imprudentemente e sem o conhecimento de seu chefe de gabinete, deu a seu filho, então com 27 anos, uma carta manuscrita de apresentação ao Xeque Zayed, presidente dos Emirados Árabes Unidos.”

A partir dali, ocorreriam vários episódios que sugeriam que Mark estava explorando o nome da mãe em proveito próprio, sobretudo no Oriente Médio.

Em 1984, o jornal Observer publicou uma reportagem com um dos escândalos do filho de Thatcher. A partir dali, segundo a biografia mencionada, o governo britânico decidiu que Mark devia deixar o Reino Unido, “uma coisa extraordinariamente dura para minha mãe”.

Mark foi para os Estados Unidos, e depois para outros lugares, sem deixar jamais de protagonizar escândalos. Num deles, quando morava na África, foi preso por participar de um golpe frustrado na Guiné Equatorial.

Mas mesmo os inimigos de Margaret Thatcher, e ela os tinha em elevado número, jamais exploraram Mark para atingi-la. Esse decoro foi respeitado ainda que houvesse evidências, como a carta ao xeque dos Emirados Árabes Unidos, de que a mãe trabalhara ativamente pelo filho.

Filhos adultos devem responder por seus atos, eis uma máxima de inexpugnável justiça.

Thatcher, quando enfim caiu em 1989, depois de onze anos de poder, era amplamente detestada entre os britânicos, incluídos aí seus próprios ministros. Foram eles que a derrubaram.

Thatcher foi desafiada na liderança do Partido Conservador, e não obteve os votos necessários para permanecer no poder.

Derrotada, teve que sair em horas do número 10 de Downing Street, sede do governo britânico.

Mark não teve influência nenhuma na derrocada súbita da mãe.

Isto se chama civilização.

Em contraste, a oposição brasileira bombardeia o filho de Lula – contra o qual não há nada provado – como se Lula fosse responsável por qualquer coisa que o filho faça.

Não é justo. Não é humano: é desumano. É cruel. É mesquinho. É fruto de muito ódio e de igual dose de desespero com a perspectiva de uma candidatura de Lula em 2018.

Mark Thatcher não serviu de munição contra os adversários da mãe. Não era decente fazer isso, mesmo com a carta escrita por Margaret Thatcher.

Ainda muito mais indecente é usar o filho de Lula – os filhos, na verdade – contra o pai, sem evidência nenhuma.

É a indecência levada ao limite extremo, e um dia isso terá que ser cobrado dos perseguidores.