É muito bom ver Simone de Beauvoir no Enem. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 26 de outubro de 2015 às 4:42
Ninguém nasce mulher: Simone de Beauvoir
Ninguém nasce mulher: Simone de Beauvoir

Eis um belo motivo para continuar acreditando na sociedade brasileira: pela primeira vez na história, o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) abordou, nos dois dias de prova, o feminismo. A prova de Humanidades trouxe um texto de Simone de Beavouir e o tema da redação foi nada menos que a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira.

Isso significa sete milhões de jovens pensando a violência contra a mulher concomitantemente. Significa que o Ministério da Educação já não aceita o pensamento provinciano, machista e ignorante nas Universidades. Significa feministas sendo representadas na prova que as levará em direção ao próprio futuro. Significa que, diante do alarmante número de reprovações que provavelmente será noticiado quando do resultado das provas – a julgar pela ignorância machista que assistimos todos os dias – a educação brasileira começará a mudar porque, acreditem, o sistema começa a exigir isso. A igualdade de gêneros finalmente entrará em pauta.

Isso significa tantas coisas que sequer sou capaz de listar todas. Mas significa, sobretudo, um convite à reflexão: que Brasil teríamos hoje sem o Movimento Feminista?

Sim, porque nem o Estado, nem a sociedade, nem o Ministério da Educação passou a pensar na violência contra a mulher num passe de mágica; ela sempre esteve aí, e muito pior do que se revela hoje, inclusive.

Sempre houve bizarras estatísticas de estupro, violência doméstica e feminicídio. Sempre houve Cunhas tentando criminalizar métodos contraceptivos. Sempre houve mulheres podadas de todas as formas possíveis: desde a negação dos direitos políticos – na terrível época em que sequer podíamos votar – ao pós-moderno revenge-porn. Em que momento as coisas começaram a mudar de tal forma que uma das principais portas de entrada para a Universidade resolveu abordar a violência contra a mulher?

Pois é, estou tomando esse mérito – junto com minhas companheiras de luta – sem a menor cerimônia; mesmo sabendo que muitos dirão que nós, mulheres feministas, não temos absolutamente nada a ver com isso, temos um orgulho intraduzível de participar dessa verdadeira mudança de paradigmas.

Nós sabemos que a nossa luta tem, sim, surtido efeito; que aquilo que muitos chamam de vitimismo e ‘falta de rola’ está, na verdade, mudando as coisas. Sabemos que quando nos recusamos a nos contentar com o lugar de inferioridade e secundarismo que sempre nos foi destinado, o mundo nos enxerga. O Estado nos ouve, embora muito menos do que gostaríamos.

Sabemos que nossa luta é válida, legítima e, mais do que nunca, útil. E sabemos, com um sorriso no rosto – a despeito de nossas opressões diárias – que o Brasil (e o mundo) estão mudando. E que daqui para a frente, cada vez mais, machistas não passarão. (No caso do ENEM, literalmente.)