“E se meu filho for evangélico?”: guia para um dilema da vida moderna. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 22 de maio de 2016 às 11:30
Jesus amado
Jesus amado

 

Com os evangélicos ocupando cada vez mais espaço no Brasil e no mundo, os pais estão procurando maneiras de lidar com um dilema da vida moderna: filhos que se revelam crentes.

Quando seu primogênito Josival* saiu do armário aos 22 anos contando que era membro da igreja Jesus Açaí Guardiã, Raquel* ficou chocada no início. Mas, em vez de evitar o assunto e afinal expulsar Josival do lar, ela e o marido escolheram acolher o rapaz e abrir um canal de diálogo.

“Tudo é muito novo para nós, mas temos certeza de que outros estão passando por isso”, diz ela. A história da família de Raquel é um importante lembrete de como o amor, a compaixão, a inteligência e a união da família são capazes de superar qualquer obstáculo.

A confissão de seu filho a respeito de sua obsessão pela Bíblia foi uma surpresa?

Quando Josival convocou uma reunião familiar uma noite, eu sinceramente não tinha idéia do que ele ia fazer. Nunca tinha me ocorrido que ele poderia ser crente. Quando essas palavras saíram de sua boca, eu realmente senti como se tivesse o intestino perfurado.

Enquanto lutava para respirar, duas frases passaram pela minha cabeça: “Ele precisa saber que eu ainda o amo”, e “Deus opera de maneiras misteriosas”. Repeti essas máximas para mim mesma. A dor de saber que ele estava lutando contra isso por muitos anos foi bastante devastadora.

Depois que o choque inicial passou, como é que vocês lidam com o problema?

A primeira coisa que eu fiz no dia seguinte à confissão foi lembrar que evangélicos são também seres humanos. Depois de muita reflexão, estou apenas começando agora a ter uma compreensão maior do que isso significa.

Lembrei do que deve ter sentido José quando soube que Maria estava grávida. O anjo apareceu e lhe falou: “Não tenha medo.” Mesmo que seja difícil, eu sei que conseguiremos superar a dor, a vergonha e tudo o mais juntos.

Como seus amigos e familiares reagiram?

Eu sou tão grata a todos… Meus parentes tentam entender a posição de Josival e respeitá-la. Eu coloquei Josival numa terapia que, creio, tem sido muito útil para ele. Eu e meu marido também estamos com um analista que que nos auxilia neste momento. Em nossas conversas sobre Josival, ele tem sido muito firme lembrando, por exemplo, que Freud escreveu que a religião é para os desamparados.

Virar evangélico não é uma escolha, como dizem. Josival me fala: “Por que eu iria escolher uma coisa dessas? Olhe o Malafaia, o Cunha, aqueles pilantras todos… Você acha que quero ser como eles?” Afirmar que o evangelismo é uma escolha pode fazer sentido para aqueles que não querem lidar com o drama.

Como você reagiria se Josival quisesse se casar com outra pessoa da mesma religião? E se eles quiserem procriar?

Bem, eu teria de aceitar, não é isso? O que posso fazer? Minha única preocupação é que ele seja feliz. Além do mais, sei que, se ele tiver filhos, eles não serão necessariamente evangélicos… Isso, de certo modo, é um alivio, não?

Ele pode ser roubado por um pastor, mas a bíblia recomenda: “Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos sofrimentos.”

Pelo que me disseram, há muitos jovens como o meu filho por aí. Têm essa tendência religiosa, você nota até no jeito de andar, mas estão optando por não agir por causa do embaraço que sentem.

Que conselho você daria para os pais de jovens evangélicos?

Acima de tudo, não importa o quão chateados nós estejamos, precisamos responder com amor, não raiva. Josival compartilhou várias histórias horríveis sobre garotos como ele, obrigados a repetir como papagaios o que um vigarista fala no púlpito e ainda pagando por isso. O horror, o horror.

Mas os pais precisam lembrar que nós todos somos imperfeitos. Encontre um amigo ou amiga que tenha passado pelo mesmo drama e troque experiências. Prefira lamentar-se ao invés de ficar com raiva. Ódio, violência e discussões só irão acrescentar confusão à cabeça do menino. Use sua energia para tentar entender o que você pode ter feito de errado, e não seus filhos.

Muito mais do que mudar Josival, estou concentrada em mudar a mim mesma. Evangélicos também são gente.

 

* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.