Empresas que demitem no Reveillon

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:25
Nobrega, o faz tudo dos Marinhos
Nobrega, o faz tudo dos Marinhos

Houve uma comoção com a forma como a GM demitiu funcionários neste final do ano.

Os demitidos receberam um telegrama às vésperas do Reveillón.

Num artigo na Folha de SP, o colunista Elio Gaspari disse que não era apenas “malvadeza”. Gaspari especulou, não à toa, que a GM poderia estar tentando intimidar o governo em torno do anunciado aumento do IPI para as montadoras.

Qualquer que sejam os desígnios da GM, é desde já um clássico de como não demitir funcionários.

Entre o Natal e o Ano Novo? Nunca, nunca e ainda nunca.

Demissão é coisa da vida numa empresa. Por vezes, você é obrigado a demitir 100 para salvar o emprego de 1 000. Acontece.

Mas há regras de humanidade que a GM ignorou por completo, algo inaceitável quando se trata de uma empresa que durante muitos anos foi a maior do mundo.

Era tamanha a influência da GM na vida americana, na era de ouro dos carrões, que um líder do governo dos Estados Unidos disse certa ocasião, numa frase que seria repetida inúmeras vezes, que o que era bom para a GM era bom para os Estados Unidos.

Existem regras básicas para demitir.

Uma conversa pessoal, primeiro que tudo. Palavras verdadeiras mas cuidadosas, uma vez que o demitido já está numa situação de grande vulnerabilidade.

Não às sextas, para não estragar o final de semana, mas de preferência às segundas, quando, mais descansadas, as pessoas podem aparar melhor o golpe.

Cansei de ler e publicar regras assim nos anos em que fui editor da Exame. Todo mundo as conhece, ou deveria.

Como uma empresa como a GM pode ignorar tudo isso é um mistério. O desgaste em sua imagem é enorme. Muita gente que compraria um carro da GM vai procurar alternativa.

Presenciei algumas demissões horríveis nas redações. Jamais esqueci, 30 anos atrás, a forma abjeta e impiedosa como Mario Sergio Conti demitiu sua subordinada Míriam Leitão, na Veja.

Mario editava a seção de Brasil, e esperou que Míriam entregasse a última legenda que faltava, na alta madrugada de fechamento, lá pelas 5 ou 6 da manhã.

Míriam devia estar trabalhando fazia 15 horas, sob colossal pressão como de hábito nos fechamentos da Veja, quando recebeu a notícia de que estava demitida.

Há uma justiça poética no fato de que, nos anos futuros, a carreira de Míriam tenha deslanchado e a de Mario minguado.

Mas algo parecido com o caso da GM vi uma única vez, e duvido que volte a ver.

Foi na Globo.

Eu era diretor editorial das revistas. O diretor geral era o espanhol Juan Ocerin, um cortador de custos que prestou bons serviços nesta função – e só nela — às Organizações Globo, sobretudo na editora.

Juan
Juan

No final de 2007, Juan apresentou os planos de 2008 da editora aos acionistas, como de praxe nas corporações.

Eu estava presente, como diretor editorial.

Fora os três irmãos Marinhos, estavam na apresentação seus primogênitos, que ali pela primeira tomavam contato com os negócios da família.

Jorge Nóbrega, uma espécie de faz tudo dos Marinhos, dos quais goza de completa confiança, também estava na reunião.

Terminada ela, Roberto Irineu Marinho, o mais velho dos irmãos e presidente da Globo, comentou, agora num pequeno grupo restrito à família e Nóbrega: “Não gosto deste espanhol.”

Seu filho respondeu: “Por que você não manda embora? Você é o dono.”

Foi o que se fez.

Mas não foi Roberto Irineu quem sujou as mãos. Os donos das empresas sempre passam a desagradável tarefa de demitir a subordinados. É outro clássico da vida corporativa.

Quem fez o serviço foi Jorge Nóbrega.

Exatamente como a GM: entre o Natal e o Ano Novo.

Juan foi convocado para uma conversa com Nóbrega. Imaginou tratar-se de algo relativo aos planos de 2008, e na véspera trabalhou horas na apresentação que fizera.

Antes de ir para o aeroporto, apanhou uma lembrança de Natal para Nóbrega. É curioso como a gente não esquece este tipo de detalhe. Lembro que era uma coleção alemã de música clássica.

Ao chegar ao Rio, Juan foi mandado embora.

Quanto ele ficou desgovernado, fui testemunha. Juan surtou. Promoveu uma série de reuniões, logo em seguida, como se fosse ficar mais alguns anos na Globo.

Ele se comportou como se não houvesse ocorrido absolutamente nada.

Nóbrega, feito o serviço, foi para um resort no nordeste, do qual ligou para algumas pessoas, entre elas eu, para informar a demissão.

Juan vivia para o trabalho. Ele era seu cartão de visitas, algo comum – e extremamente maléfico – para muitos executivos.

Não foi o fim da história.

Em 2013, Juan pulou de seu apartamento rumo à morte. Tinha 50 anos.

Não era amigo de Juan, mas fiquei indignado quando soube que a editora Globo, para a qual ele deu tudo de si por vários anos, não publicou uma linha sobre sua morte. À injúria da demissão natalina se somou o silêncio no suicídio: serviço completo.

Alguns amigos dele disseram que ele tinha se recuperado do choque da demissão entre o Natal e o Ano Novo, e estava tocando a vida.

Mas tenho para mim que Juan morreu naquele Reveillon.