Enem pra quem?

Atualizado em 21 de novembro de 2012 às 20:37

O que ele deveria ter sido, o que ele virou e para que serve, afinal

o enem seria…

Ele foi criado para oferecer ao aluno uma avaliação do seu desempenho ao final da educação básica. A participação seria voluntária, mediante o pagamento de uma taxa, e o resultado, confidencial, seria entregue somente ao próprio candidato. Este poderia optar por divulgá-lo a quem quisesse.

De seu lado, as instituições de ensino superior poderiam considerar essa nota como critério para entrada do candidato em algum de seus cursos. Muitas delas concordaram e passaram a acolher a nota no enem como um dos elementos de avaliação de candidatos ao vestibular.

Se a nota fosse boa, o aluno permitia que a instituição tivesse acesso ao resultado. Assim ele estaria dando um passo importante rumo ao curso superior de sua escolha. Se a nota fosse ruim, ele mantinha o segredo e arriscava suas chances no vestibular.

o enem nunca foi…

O mesmo instituto que fez o Enem, o Inep do MEC (Ministério da Educação), fazia também o Saeb, exame nacional de objetivos completamente diferentes.

O Saeb foi criado como medida da qualidade do sistema de ensino brasileiro. A participação era por amostragem e pretendia-se garantir a representação de todas as regiões do país. Complexos cálculos estatísticos estavam na base do processo de composição da amostra, elaboração de questões, montagem das provas e análise dos resultados.

Quando o Enem surgiu, o Saeb já estava consolidado junto à comunidade educacional. Alguma coisa foi transferida de um para outro e rapidamente o Enem passou a ser visto como instrumento de avaliação da qualidade das escolas de ensino médio. Mas esse objetivo não pode aceitar o modelo de participação voluntária. A escola poderia escolher os melhores alunos para fazer a prova e isso distorceria os resultados.

Mudanças foram sendo introduzidas no projeto original. Muitas mudanças.

Ao longo dos anos, essas modificações foram afastando cada vez mais o Enem do seu objetivo inicial para aproximá-lo do que já se dizia que ele era. Por exemplo, a confidencialidade foi substituída pela divulgação do ranqueamento das escolas participantes, que passaram a alardear os resultados de seus alunos na prova como atrativo para novos clientes.

O Enem foi sem nunca ter sido.

o enem é…

Sonho de muitos, pesadelo de outros tantos, o Enem trouxe de volta o vestibular único. Ainda que variem adjetivos e advérbios, ele é a porta de entrada na grande maioria das instituições de ensino superior – e requisito para participar do Prouni.

Agora, também, para o aluno, certificado de conclusão do ensino médio.

Essa associação tão poderosa entre o resultado no exame e o futuro acadêmico dos alunos foi trazendo as questões de segurança para o centro do palco, empurrando problemas metodológicos e técnicos para o fundo da cena.

democracia no enem

Defensores do exame único (cujo retorno nunca foi imaginado pelos maiores de 60 anos) falam em democracia. Igual para todos é um mantra que seduz. Como numa corrida: o trecho a percorrer é exatamente o mesmo para todos. Mas cada um parte do ponto em que se encontra –  e que depende em grande parte das escolas onde cada um estudou, do acesso aos bens culturais etc.

O educador Simon Schwartzman faz uma interessante análise no seu Simon’s Site:

“Enquanto aguardamos os resultados do ENEM deste ano, vale a pena olhar alguns dados de 2010, os últimos disponíveis para análise. Naquele ano se inscreveram 4.6 milhões de pessoas, mas só cerca de 3.2 milhões, ou 70%, fizeram as provas. Não encontrei uma explicação para isso, mas o que se observa é que a desistência está fortemente relacionada com a educação dos pais, que, como sabemos, também está relacionada com nível de renda da família, ter estudado em escola pública etc. Entre os candidatos com pais que não estudaram, 38% desistiram da prova de matemática, por exemplo. Entre aqueles com pais de nível superior, a desistência foi de 18%, a metade.

O Ministério da Educação decidiu que o ENEM serviria também para dar um certificado de nível médio para quem não tivesse este diploma, e que o requisito para isto seria ter pelo menos 400 pontos em todas as provas. Naquele ano, 540 mil pessoas tentaram obter este certificado, e só 26% conseguiram. Para este ano o Ministério achou que 400 pontos era pouco, e elevou para 450.

Quantos dos candidatos do ENEM de 2010 satisfaziam esse critério, ou seja, têm a qualificação mínima necessária para quem conclui o ensino médio? Somente 27% do total, variando, como era de se esperar, de apenas 12% para pessoas cujos pais não estudaram a 49% para os filhos de pais com educação superior.

Não há muita novidade nestes dados, que confirmam a péssima qualidade de nosso ensino médio, que afeta sobretudo a população de famílias mais pobres e menos educadas. Eles mostram que, para a grande maioria dos que se candidatam ao ENEM, a prova é uma ilusão cruel, cujo resultado já está em grande parte predeterminado pelas suas condições socioeconômicas e pela má qualidade da educação que tiveram até aí.

A solução correta para esta situação seria, antes de mais nada, melhorar o ensino médio, e , ao mesmo tempo, não exigir que todos passem pelo mesmo tipo de prova, em nome de uma igualdade que não existe. A solução mais fácil é criar uma política de cotas que, sempre em nome da equidade social, transfere para as universidades públicas a responsabilidade de lidar com um problema para o qual elas não estão equipadas.”