Entrevistamos Kleber Mendonça Filho, diretor de Aquarius. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 5 de setembro de 2016 às 20:41
O diretor
O diretor

Depois de uma sessão intensa de ‘Aquarius’ em Salvador – com um debate denso que durou tanto quanto o próprio filme – abordei o diretor Kleber Mendonça Filho, entre abraços e congratulações do público, para indagá-lo sobre o filme e também sobre a delicada situação política do Brasil atual.

Conversei, em uma calçada vazia do Santo Antônio Além do Carmo, com um Kleber de fala pausada e honesta. Falamos sobre censura, desobediência civil e resistência criativa.

DCM: Você esperava toda essa repercussão em torno de ‘Aquarius’?

Kleber: Uma série de surpresas no lançamento, a reação ao filme é muito boa em vários lugares, mas no Brasil eu acho que está extra-forte.

DCM: Então a repercussão está indo além do que você esperava?

Kleber: Eu acho. Ele está despertando um amor muito grande, essa é a parte mais incrível. O filme veio em um bolo de energia política, então era isso que havia: Há um mês atrás ele tinha essa energia, mas ninguém tinha visto o filme. Só que agora, vendo o filme, as pessoas estão se dando conta de que tem o bolo de energia política e tem o filme. E o filme talvez seja maior do que essa merda política.

DCM: E o processo de construção da protagonista, do qual você participou, é claro, como é que foi?

Kleber: Sônia se encaixava muito bem no personagem, é o caso da pessoa certa para o personagem certo. Às vezes eu acho que você pode querer trabalhar com alguém que não compartilha das mesmas ideias. Clara poderia ter sido interpretada por uma atriz reaça, que teria um rosto maravilhoso, uma expressão corporal perfeita, mas, sabe, quando ela falasse certas coisas, você veria que ela não acredita nisso, perderia o sentimento. Ou, de repente, poderia surgir uma briga se a atriz não concordasse com qualquer coisa do roteiro.

DCM: Acontece, né?

Kleber: Não sei, nunca aconteceu comigo. Mas eu imagino que pode acontecer.

DCM: Você está disposto falar de política?

Kleber: Pode ser…

DCM: A imprensa e o público em geral consideraram a classificação indicativa do filme como censura, ou, no mínimo, boicote, mesmo porque outros filmes com cenas de sexo e vocabulário pesado já receberam classificações menores no Brasil. Você encara isso como revanchismo do governo pelo protesto em Cannes?

Kleber: Eu não tenho informação de que é, mas é bem suspeito. Parece ser.

DCM: Pessoalmente, você acha que é?

(Neste momento um taxista nos disse que era perigoso permanecer naquela rua deserta. Entramos em um restaurante e continuamos a conversa).

Então, é claro que eu acho. Essa coisa da censura é muito estranha, mas ao mesmo tempo é uma coisa sem noção da parte deles, coisa de quem não tem nada na cabeça, passar por uma vergonha dessas e depois voltar atrás…

DCM: Tom Zé inclusive disse que estamos vivendo uma ditadura mascarada no Brasil. Você concorda?

Kleber: Eu acho. É uma ditadura porque ela não leva em consideração os votos que foram dados, entrou um povo que não foi eleito, e eles estão trazendo coisas que também não foram eleitas, porque eles querem, porque é bom pra eles, porque eles fizeram alianças.

DCM: Diante disso, como é que você acha que a classe artística deve resistir nesse momento? Da mesma maneira que resistiu a classe artística de 64?

Kleber: É a mesma coisa, não tem diferença. É a resistência criativa. Na verdade o Aquarius já é bem pontiagudo, é por isso também que as pessoas têm uma reação forte ao filme.

DCM: Você acredita na desobediência civil como forma de resistência?

Kleber: Desobediência civil dentro do que eu considero razoável ser desobediência civil. Eu, por exemplo, não vejo muito sentido em sair quebrando tudo, não é da minha personalidade, embora eu ache que quebrar tudo pode ser uma coisa interessante esteticamente. Eu prefiro a desobediência civil através da comédia. A Clara, por exemplo, quando vai no escritório da construtora jogar um monte de pedaço de madeira podre [referindo-se a uma cena do filme], isso é desobediência civil, digamos que não é muito pacífico. [risos]

DCM: Voltando a Aquarius, ele parece querer naturalizar muita coisa que já deveria ser encarada com naturalidade, se não fosse a hipocrisia de uma parcela da sociedade brasileira, como, por exemplo, a sexualidade da mulher madura. Isso foi intencional?

Kleber: A intenção era retratar uma mulher viva, porque sexo é sinal de vida. A ideia não era necessariamente problematizar essa questão, apenas colocar a sexualidade como parte da vida de Clara, porque mulheres maduras também podem ser sexualmente ativas.

DCM: Você está com algum projeto futuro engatilhado, ou concentrado no lançamento de Aquarius?

Kleber: Agora, eu estou totalmente concentrado no lançamento, até novembro, quando volto a pensar em outros projetos.