Escolas ocupadas tinham milhões em material escolar nunca distribuído. Por Mauro Donato

Atualizado em 4 de janeiro de 2016 às 17:03
Pilha de livros na EE Maria José: nunca entregues
Pilha de livros na EE Maria José: nunca entregues (FOTOS MAURO DONATO)

 

Quando estive na E.E. Maria José, chamou-me a atenção uma enorme quantidade de livros novos, ainda embalados, empilhados em um corredor. Era o mês de novembro e conhecedor de como são as coisas no nosso Brasil inzoneiro, achei pouco provável que fossem materiais didáticos já do próximo ano. Mas se não eram antecipados e sim do ano corrente, o que estariam fazendo ali no final do ano, sem uso?

Não pude tratar do assunto naquele dia pois a polícia havia acabado de invadir a escola, estudantes tinham sido agredidos e um forte cheiro de gás de pimenta ainda pairava no ar. Porém aquilo não me saiu da cabeça e uma aluna poucos dias depois me confirmou ser material não entregue. Averiguei nas demais ocupações e a situação não apenas se repetia como surpreendia cada vez mais.

Na E. E. Diadema além de livros e cadernos, vários instrumentos musicais para fanfarra, novos, estavam escondidos e, segundo um aluno que não quis se identificar, nada menos que mil mochilas sonegadas pela diretoria que havia informado aos pais não tê-las recebido.

A escola Arthur Chagas (Sapopemba), também escondia instrumentos musicais e materiais do ano de 2014 que os alunos sequer viram a cor. Lá também foram encontrados utensílios para aulas de química, embalados, boa parte deles vencidos. Utensílios que os alunos nunca tiveram acesso.

Na ocupação Dep. João Doria também há materiais para química mas lá o absurdo é ainda maior: não existe laboratório na unidade. Fotografei ainda pilhas enormes de cadernos de atividades nunca entregues e materiais esportivos como sacos de boxe e raquetes de badmington, tudo novo e cuja existência era ignorada pelos alunos.

Na Fernão Dias Paes, em Pinheiros, os estudantes encontraram um enorme estoque de uniformes para prática de esportes. “A gente fazia educação física com a mesma roupa e depois voltava suado para a sala de aula”, afirmou Heudes de Oliveira.

Em todas, muitos livros, cadernos, canetas, lápis. Sempre negados aos alunos, que não raramente precisavam organizar-se em duplas para dividir o uso devido a ‘inexistência’ dos materiais. Na escola Orville Derby (Zona Leste), a quantidade era tanta que os alunos fizeram uma barreira na frente da diretoria com os livros novos estocados e não distribuídos. Neles, um cartaz afixado aguarda a chegada do diretor após a desocupação: “Hoje os livros que te impedem o acesso. Ontem nosso acesso é que era impedido.”

Por que livros que deveriam ser fornecidos ao longo do ano letivo foram ocultados? Por que tantos materiais novos guardados sem que os alunos tivessem acesso e direito de usar?

O governo federal destinou mais de R$ 1 bilhão para garantir que a rede pública de ensino básico do país recebesse obras didáticas. Para o ano letivo de 2015, mais de 150 milhões de livros didáticos foram distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) do MEC para serem utilizados por 37 milhões de alunos dos ensinos fundamental e médio.

Só o orçamento de São Paulo destinado para a Educação foi de R$ 28,3 bilhões aprovados pela Assembléia Legislativa e o estado sempre teve fama de gastador. Segundo dados de 2013, enquanto pais chegavam a pagar R$ 3.253,00 ao mês para manter filhos em uma das dez escolas mais bem classificadas no Enem na rede privada, os gastos com o ensino médio na rede pública por aluno eram de R$ 3.793,52 (dados de 2013, fonte MEC).

Então por que o material não chega nas mãos dos alunos? Por que tantos pais reclamam durante o ano inteiro da não entrega de material?

Mesmo com o orçamento aprovado, o governo paulista reduziu a verba para a compra de materiais. A Secretaria de Educação afirmou que fez o corte porque ‘parte do recurso não era utilizado’ mas já no meio do ano nem papel higiênico tinha mais. Materiais para artes como tintas, pincéis e cartolina precisavam ser trazidas de casa. E agora, no final do ano, alunos descobrem estoques repletos. Dá para entender?

Todo esse material represado em associação a uma estrutura degradada, banheiros imundos, quadras esportivas com o piso todo rachado e esburacado (isso quando não tomadas pelo mato), prédios sem pintura há anos e com o reboco do teto despencando proporcionam esses índices de aprendizagem que conhecemos. E ainda assim, com todo esse desleixo querem criminalizar os estudantes por sua revolta. Oras, criminoso é o estado.

As descobertas feitas pelos ocupantes das escolas certamente explicam em boa parte as reações tão violentas de vários diretores como na escola Dep. João Doria ou na escola Maria José que buscavam dissolver as ocupações a qualquer custo. Sabiam que mais cedo ou mais tarde seus segredos seriam descobertos. Por que tanta ânsia em ‘retomar’ a escola? Haveriam coisas ainda piores em suas gavetas?

Todas as denúncias na verdade são apenas a confirmação de antigas suspeitas e de um modo de governar elitista e segregador. A reorganização escolar do ensino equivaleu aos 20 centavos. Só fez transbordar um copo que já estava cheio fazia tempo.

 

ATUALIZAÇÃO:

A assessoria de imprensa da Secretaria de Educação respondeu ao post:

As escolas já começaram a receber os livros didáticos do ano letivo de 2016, a imagem repassada não confirma se os livros são deste ano ou se já são os que serão distribuídos no próximo.

Importante ressaltar que não houve registro de alunos sem receber o livro ou o material didático deste ano, por isso, caso as imagens façam referência a livros deste ano pode se tratar da reserva técnica, ou seja, alguns exemplares são enviados a mais para que em caso de esquecimento de material, perda de livro ou entrada de um aluno ao longo do ano, haja material a ser entregue.

Já o caso específico da  Escola Professor Arthur Chagas Junior existe um projeto de música voltado a 80 alunos, com aulas ministradas duas vezes por semana, portanto, os materiais estão sendo utilizados.

A reportagem traz uma imagem de uma rede social que não consegue comprovar a autenticidade das acusações, por isso sobre a Escola Estadual Orville Derby, também na zona leste, não há como a Diretoria Regional de Ensino apurar se os fatos são reais ou não passam de montagem. Não há ainda como definir se são novos livros que serão distribuídos no próximo ano letivo, se há uma reserva para novos estudantes ou se os alunos que ocupam a escola reuniram todos as obras em um único espaço.

Vale ainda dizer que o dirigente regional de ensino da zona leste responsável pela Escola Estadual Professor Arthur Chagas Junior já havia se reunido com os alunos que ocupam a unidade e se comprometido a instaurar uma apuração preliminar e averiguar as denúncias contra a direção tão logo a escola seja desocupada. A administração regional poderá verificar o interior da unidade assim que tiver o acesso liberado.

Ana Carolina Caron

 

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