Apoie o DCM

Como Alex, catador de lixo, chegou à universidade depois de 20 anos sem estudar

Reportagem de Luís Eduardo Gomes no Sul21.

Tem uma história que Alex Cardoso conta para exemplificar o papel que a reciclagem teve em sua vida, uma relação que, sendo filho de pais catadores, começa antes mesmo de nascer. Nessa história, ele tinha apenas dois meses. O pai, seu Alceu Cardoso, e a mãe, Tânia Maria, subiam a Av. Borges de Medeiros, no Centro de Porto Alegre, puxando o carrinho que levava o material coletado no dia. De repente, uma caixa de papelão se desprende e cai no chão. Tânia alerta ao marido, que responde. “Estamos com o carrinho cheio, deixa para lá, vamos embora”. Mas ela bate o pé e de teimosa vai atrás da caixa, afinal, cada uma delas é resultado de trabalho e faz falta, sim senhor. Foi a sorte de Alex. Como não podiam parar de trabalhar, Tânia e o seu Cardoso o levavam junto desde muito pequeno no carrinho, sempre dentro de uma das caixas. Naquele dia, dentro daquela que caiu, enrolado em um cobertor, ele dormia.

(…)

Alex tinha 15 anos quando largou a escola em definitivo. Aos 16, teve a primeira filha. Com mais uma boca a alimentar, aí sim que não teria como voltar a estudar. Ficaria 20 anos longe dos bancos escolares. Mas aprendeu muito com a vida.

O trabalho com a reciclagem o colocou no caminho dos movimentos sociais. Da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis do Loteamento Cavalhada (ASCAT), passando pela coordenação do Fórum de Catadores de Porto Alegre (FCPOA) e pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), o lixo levou Alex longe. Em 2016, participou com textos de sua autoria em dois livros,  “Crônicas da Resistência” e “A Luta Continua”, entregues em mãos à presidenta Dilma Rousseff e ao ex-presidente Lula. O trabalho na militância social e pela reciclagem de resíduos fez com que fosse convidado para dar palestras em diversas universidades, inclusive fora do País.

(…)

Chegou um momento que a faculdade da vida já não era mais suficiente para Alex. Cansara de ouvir que era inteligente, que não precisava estudar, enquanto sentia que faltava alguma coisa. Como poderia cobrar dos filhos assiduidade na escola se não fizera mais do que a 6ª série? Há quatro anos, reuniu forças e voltou as bancos escolares. “Precisava fazer isso, por mim, pelos meus filhos e pela companheirada”.

Sem deixar o trabalho e o movimento social de lado — já integrava o MNCR, tendo uma agenda de organização do movimento pelo País –, se matriculou na escola Neusa Goulart Brizola, localizada no loteamento Cavalhada, a menos de 100 m de sua casa, na zona sul de Porto Alegre. O objetivo inicial era concluir o Fundamental pelo Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Concluiu o 6º, o 7º, o 8º e o 9º ano em 2015.

(…)

No último dia 19 de janeiro, veio a notícia: Bixo Ciências Sociais. Um dos 26 aprovados na UFRGS que haviam cursado o Emancipa. “Vai ter catador doutor, sim senhor!”, diz Alex.