Apoie o DCM

Greenwald destaca papel do Tijolaço no desmascaramento da fraude do DataFolha

Do intercept:

Semanas antes da conclusão do conflito político mais virulento dos úlitmos anos – a votação final do impeachment de Dilma no Senado Federal – a Folha, maior e mais importante jornal do país, não apenas distorceu, mas efetivamente escondeu, dados cruciais da pesquisa que negam em gênero, número e grau a matéria original. Esses dados demonstram que a grande maioria dos brasileiros desejam a renúncia de Michel Temer, e não que o “presidente interino” permaneça no cargo, como informado pelo jornal. Colocado de forma simples, esse é um dos casos de irresponsabilidade jornalística mais graves que se pode imaginar.

A desconstrução completa da matéria da Folha começou quando Brad Brooks, Correspondente Chefe da Reuters no Brasil, observou uma enorme discrepância: enquanto a Folha anunciava em sua capa que apenas 3% dos brasileiros queriam novas eleições e que 50% queria a permanência de Temer, o instituto de pesquisa do jornal, Datafolha, havia publicado um comunicado à imprensa com os dados da pesquisa anunciando que 60% dos brasileiros queriam novas eleições. Observe essa impressionante contradição:

Como isso é possível? Nós entramos em contato com o Datafolha imediatamente para esclarecer a dúvida, mas como grande parte dos veículos de comunicação já havia lido nosso artigo e o assunto havia se tornado uma controvérsia nacional, o instituto se recusou a se manifestar. Eles simplesmente não queriam nos explicar a natureza da discrepância.

Mas essa revelação levou a outro mistério: nos dados e perguntas complementares publicados pelo Datafolha, não havia nenhuma informação mostrando que 60% dos brasileiros eram favoráveis a novas eleições, como dizia um dos enunciados da pesquisa do instituto. Parecia evidente que o Datafolha havia publicado apenas algumas das perguntas feitas aos entrevistados. Apesar das perguntas estarem numeradas, o documento contava apenas com as perguntas 7-10, 12-13 e 21. Isso não é necessariamente incomum ou incorreto (jornais tendem a omitir perguntas sobre tópicos menos relevantes ao publicar uma reportagem), mas era estranho que nenhuma das perguntas publicadas pelo Datafolha confirmasse ou tivesse relação com a afirmação do enunciado da pesquisa. De onde, então, saiu essa informação – 60% – que contradiz a reportagem de primeira página da Folha?

A resposta veio através do excelente esforço investigativo de Fernando Brito do site Tijolaço. Primeiro, a equipe do site observou que o endereço URL do documento do Datafolha com os dados e perguntas complementares à pesquisa que foi publicado na segunda-feira – documento citado em nosso artigo original mostrando que a manchete da Folha era falsa – terminava em “v2”, ou seja, era a segunda versão do documento publicado pelo Datafolha. A equipe procurou a versão original, mas não foi possível encontrá-la no site do instituto. Eles começaram a tentar adivinhar o endereço URL da versão original, até que acertaram. Embora a versão original tivesse sido retirada do ar pelo Datafolha, ainda se encontrava nos servidores do instituto, e ao acertar o endereço URL correto o Tijolaço teve acesso ao documento.

O que foi encontrado na versão original do documento – aparentemente retirada do ar de forma discreta pelo Datafolha – é de tirar o fôlego. Ficou comprovado que a matéria da Folha era uma fraude jornalística completa. A pergunta 14, encontrada na versão original, dizia:

“Uma situação em que poderia haver novas eleições presidenciais no Brasil seria em caso de renúncia de Dilma Rousseff e Michel Temer a seus cargos. Você é a favor ou contra Michel Temer e Dilma Rousseff renunciarem para a convocação de novas eleições para a Presidência da República ainda neste ano?”

Os dados não publicados pelo Datafolha mostram que 62% dos brasileiros são favoráveis à renúncia de Dilma e Temer, e à realização de novas eleições, enquanto 30% são contrários a essa solução. Isso significa que, ao contrário da afirmação da Folha de que apenas 3% querem novas eleições e 50% dos brasileiros querem a permanência de Temer como presidente até 2018 – ao menos 62% dos brasileiros, uma ampla maioria, querem a renúncia imediata de Temer.

A situação é ainda pior para a Folha (e Temer): a porcentagem de eleitores que deseja a renúncia imediata de Temer é certamente muito maior do que esses 62%. A pergunta colocada pelo Datafolha era se os entrevistados eram favoráveis à renúncia de Temer /e Dilma/. Muitos dos que responderam “não” – conforme demonstrado pelos detalhes dos dados – são apoiadores do PT e/ou querem Lula como presidente em 2018, o que significa responderam que “não” porque querem que Dilma retorne, e não porque querem a permanência de Temer. Portanto – conforme concluído pelo Ibope em abril – apenas uma minoria dos eleitores querem Temer como presidente: exatamente o oposto da “informação” publicada pela Folha.

Essa não foi a única informação ausente que o Tijolaço descobriu quando encontrou a primeira versão dos dados publicados. Como explicam de maneira detalhada, havia dois parágrafos inteiros escritos pelo DataFolha resumindo os dados das respostas que também foram removidos da segunda versão publicada, inclusive a seguinte frase: “a maioria (62%) declarou ser a favor de uma nova votação para o cargo de presidente”

A equipe também descobriu uma pergunta não revelada – a pergunta 11 – que é provavelmente a mais favorável a Dilma e foi completamente omitida pela Folha. O DataFolha perguntou:

“Na sua opinião, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff está seguindo a regras democráticas e a Constituição ou está desrespeitando as regras democráticas e a Constituição?”

Apenas 49% disseram que o impeachment cumpre as regras democráticas e respeita a Constituição, enquanto 37% disseram que não. Como a Folha pode omitir este dado tão surpreendente e importante quando, supostamente, quer descrever a visão dos eleitores sobre o impeachment?

(…)