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Janio de Freitas: “Em Brasília, os equivalentes aos criminosos da Rocinha têm a mais terrível das armas, o poder”

 

Da coluna de Janio de Freitas na Folha:

O espanto generalizado com a guerra na Rocinha só pode vir do vício de espantar-se com os atos todos da violência urbana, não importa se maiores ou minúsculos, se astuciosos ou vulgares. Rocinha não é mais do que uma celebridade (a palavra-símbolo do jornalismo deslumbrado) entre milhares de assemelhadas pelo país afora.

Na Rocinha há fuzis modernos, sim. Em Brasília, os equivalentes aos criminosos da Rocinha têm a mais abrangente e terrível das armas: o poder – de governar em benefício de grupos, de legislar em causa própria e dos subornadores, de queimar uns poucos comparsas e preservar o grosso da bandidagem engravatada.

Se é assim no cimo do país, onde também se travam lutas por mais domínio, o que esperar dos que têm a mesma índole sem, no entanto, receberem da vida as mesmas oportunidades? Assalto por assalto, dos cofres públicos é roubado muito mais, nem se sabe quantas centenas de bilhões, do que o dinheirinho de passantes, o troco das caixas de lojas, os celulares, relógios e carros.

Há as drogas. Todas as Rocinhas são dadas como entrepostos de droga. São vendedoras. Inclusive para os consumidores armados de poder e seus sócios no elitismo. Nas Rocinhas, vem em papelotes. Nas festas da fortuna, a droga vem em bandejinhas de prata. Elegância e poder não costumam andar juntos, mas às vezes coincidem.

O tráfico proveniente das Rocinhas é uma desgraça. Há, porém, um tráfico mais devastador. O tráfico de drogas destrói indivíduos, o tráfico de influência nos gabinetes e salões do poder arrasa multidões, mais de 200 milhões de seres roubados em dinheiro e em direitos pelos negócios do suborno e da influência.

Os delinquentes de todas as Rocinhas matam. Muito. E o fazem, é verdade, com indiferença e perversidade. Pensar que a airosa Fortaleza é a quinta entre as dez cidades mais violentas das Américas, sendo o Rio a décima e última, parece estatística de economista.

O homicídio originário das Rocinhas cresce e se espalha, incontrolável. Em paralelo ao homicídio que não leva esse nome, para proteger seus culpados. E que assassina com as armas letais que são a ausência de remédios para transplantados, HIV, diabéticos, tuberculosos, cardíacos, e tantos mais, por “falta de verba” que ricaços no poder cortaram.

Quando não é a morte assim, é a tortura pela espera de leito hospitalar, pelos meses à espera de um teste de câncer, pelos meses à espera da cirurgia. Pela espera impiedosa da morte. Decretada nas altitudes luxuosas de Brasília, nas roubalheiras cabralinas não só fluminenses, e muitas vezes autorizadas pela maioria de travestis do Congresso –bandidos passando-se por representantes do povo. Os homicídios dos delinquentes das Rocinhas em geral são muito menos numerosos.

A insegurança urbana é indignante e injusta. Até filas de emprego são assaltadas, bandidos pobres roubando pobres trabalhadores. Mas a delinquência que sai das Rocinhas, e transtorna as suas cidades, generaliza espantos e horrores. Uma caverna com R$ 51 milhões tomados pela delinquência armada de poder político, ah, essa excita o bom humor. E a criminalidade das Rocinhas não é subproduto da delinquência engravatada, indiferente às suas vítimas tal como a delinquência urbana? Ambas tão comuns, tão antigas, consanguíneas, diferentes apenas na extensão em que infelicitam o presente e o futuro país.

(…)