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“Juiz não pode jogar para a torcida”, diz presidente do Tribunal de Justiça São Paulo

Manoel de Queiroz Pereira Calças

Em entrevista à equipe do Anuário da Justiça São Paulo, publicação editada pela ConJur, o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Manoel de Queiroz Pereira Calças, tocou em alguns assuntos delicados, como a Lava Jato e o uso de redes sociais por magistrados. Ele não cita o nome de Moro, mas, pelos seus critérios, o juiz federal de Curitiba não poderia usar toga. “O juiz não pode jogar para a torcida”, afirma. “Não pode julgar de acordo com as expectativas da sociedade”, acrescenta. Leia alguns trechos.

ConJur – E a opinião pública, o desejo de parte da sociedade por punições, tem influenciado o modo como o juiz julga?
Manoel Pereira Calças –
 O juiz não pode jogar para a torcida, não é? Não pode julgar de acordo com as expectativas da sociedade. O juiz tem que ter autonomia e independência. Mesmo que a sociedade toda diga que quer uma condenação, se for o caso de absolver, tem que absolver. Nesses casos dessas operações famosas, seja do mensalão, seja da “lava jato”, há uma cobrança da sociedade no sentido de punição, mas o juiz não pode condenar pura e simplesmente para agradar ao clamor social, se não tiver provas. Não pode punir porque quer ficar bonito na fita, como se fala… Só pode julgar com aquilo que está dentro do processo.

ConJur – O senhor avalia que há um clima mais punitivista partindo do Judiciário?
Manoel Pereira Calças –
 Não. Alguns juízes agem assim equivocadamente, por falta de preparo, pressionados pela opinião pública, o que é errado. Não posso nunca agir de acordo com a pressão que eu recebo da sociedade nem da imprensa. Vocês conhecem um caso clássico: a Escola Base [quando donos de uma escola foram acusados de abuso sexual de crianças, na década de 1990, até que o inquérito foi arquivado por falta de provas]. Todo mundo clamou, clamou, a sociedade achou que era um absurdo, e no fim se descobriu que o casal era gente séria. Eles foram injuriados, a escola acabou, mas nada era verdade. O juiz não pode ser levado por isso nem pode ser exibicionista, porque há pessoas que querem realmente aparecer na imprensa, se mostrar como paladinos da moral, paladinos dos bons costumes, da ética, sem que eles o sejam. É um problema sério porque a magistratura é uma atividade que exige comprometimento e disciplina, como quase todas as atividades. O juiz deve ser imparcial, independente, sereno e prudente.

ConJur – Juiz, na sua avaliação, pode ter perfil em rede social?
Manoel Pereira Calças –
 Esse foi um dos maiores problemas que enfrentamos na Corregedoria. É um problema que ocorre em todos os países do mundo. Na Inglaterra, por exemplo, quando alguém é aprovado como juiz, assina um compromisso com o Poder Judiciário inglês de que não participará de redes sociais. Como corregedor, analisei graves situações de juízes que não sabem usar as redes sociais — aliás, pouca gente sabe, vocês já devem ter recebido mensagens das mais inoportunas na sua vida, como eu já recebi. Então nós tivemos graves problemas de juízes e juízas se comunicando em certos grupos fechados [no aplicativo WhatsApp], esquecendo-se que nesses grupos as pessoas pertencem a outros grupos.

Não repasso porque estou treinado, mas já vi mensagens questionando, por exemplo, “como é que [determinado juiz] soltou esse bandido?” Não se pode fazer isso. Vou dar um exemplo: vocês acompanharam recentemente aquele sujeito dentro do ônibus que ejaculou sobre a primeira vítima. Pois bem, ele foi liberado na audiência de custódia. Não cabe a nenhum outro juiz ficar criticando a decisão em redes sociais, até porque a Lei Orgânica da Magistratura considera infração que juiz comente qualquer decisão judicial seja de primeiro grau, seja de grau superior.

ConJur – E comentário político?
Manoel Pereira Calças –
 Comentário político… Essa é a grande zona cinzenta. “Fora Temer” é comentário político? “Fora Dilma” é comentário político? O juiz não pode fazer isso. Quando ingressa na magistratura, sabe que vai ter uma série de prerrogativas, mas vai ter uma série de restrições. Eu posso ter minhas preferências eleitorais, minhas preferências ideológicas, mas não posso sair como juiz falando isso, como qualquer cidadão faria, porque não dá para dividir: “aqui quem está falando é o civil e aqui é a pessoa jurídica”. Não existe isso. Juiz não pode participar de protesto, não pode ser filiado a nenhum partido político.

Fui juiz eleitoral durante 30 anos, presidi as eleições a minha vida toda, em todas as comarcas em que passei, como posso ser filiado a um partido? Vamos imaginar ate que eu pensasse: “Puxa, seria bom a pena de morte para o Brasil”. Não posso falar isso de forma nenhuma, já que está na Constituição que eu jurei aplicar. Se sou contra, que eu vá ser parlamentar, apresente uma emenda constitucional e defenda que não pode ser cláusula pétrea [a proibição da pena de morte], pois uma geração pretérita não pode engessar uma geração futura. Posso dizer isso como senador, como deputado federal, mas, como juiz, não posso.