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Pobres são ‘verdadeiros imbecis’ em novela que a Globo está reprisando

O blogueiro do UOL Nilson Xavier fala sobre a novela O Dono do Mundo, de 1991, que o canal da Globo Viva está reprisando. Segundo ele, os pobres na novela eram tratados como “verdadeiros imbecis”.

Trechos:

Em entrevista a Arnaldo Jabor, para a Folha de São Paulo, em junho de 1991, o novelista Gilberto Braga declarou: “Eu não aguentava mais ver tanta impiedade por parte das elites brasileiras em relação aos miseráveis. Pensei em fazer uma novela questionando a falta de carinho dos ricos pelos pobres. (…) Fiz uma novela sobre o egoísmo, a bondade e a maldade.”

Ele se referia ao seu folhetim “O Dono do Mundo”, recém estreado na época – em reprise atualmente no canal a cabo Viva. A história do rico cirurgião plástico Felipe Barreto (Antônio Fagundes), que apostou (uma caixa de champanhe importado) que era capaz de levar uma noiva virgem – Márcia (Malu Mader) – para a cama, antes do noivo, em plena noite de núpcias. Claro que Felipe atingiu seu intento e claro que a noiva, ultrajada e renegada por todos, iniciou uma batalha por vingança contra seu algoz.

Márcia não foi renegada apenas na ficção. O país inteiro torceu o nariz para a heroína torta de “O Dono do Mundo”. Felipe, o sedutor canalha, não fez nada à força. Seduzida e completamente apaixonada, foi a própria virgem que lhe bateu à porta se oferecendo. O público não perdoava o fato de Márcia ter tão facilmente cedido ao cirurgião. Mais que a questão da virgindade, o que afugentou a simpatia do telespectador foi a falta de lealdade de Márcia com seu noivo.

A queda na audiência foi tamanha que, logo em seu primeiro mês de exibição, a novela de Braga passou por reformulações consistentes. O Viva exibiu nesta semana a cena em que a enfurecida Márcia parte para cima de Felipe e lhe arranca sangue da cara com um bisturi. E acaba presa. Esta foi uma das primeiras medidas tomadas para tentar fazer com o que o povo se apiedasse da protagonista.

Revendo estes primeiros capítulos com um afastamento de 23 anos, fica mais claro entender o que aconteceu. Gilberto Braga afirmou que não aguentava ver tanta impiedade das elites em relação aos pobres. E isso é evidente neste primeiro mês da novela. O autor carregou forte demais nas tintas para destacar os ricos dos pobres. Os abastados não eram só muitos ricos (da classe A), mas também muito arrogantes e preconceituosos com as classes “inferiores”. Neste contexto, destacam-se, além de Felipe Barreto, também a sua mãe, Constância Eugênia (Nathalia Timberg), e a socialite Karen (Maria Padilha).

Enquanto isso, os pobres eram retratados como antiquados, atrasados, incultos e ingênuos – verdadeiros imbecis. Além de Márcia, sua madrinha Nanci (Ana Rosa), seu tio Darci (Antônio Grassi), o taxista Vicente (Cláudio Corrêa e Castro) e sua mulher Almerinda (Beatriz Lyra), e toda a vizinhança do subúrbio.

E não havia meio termo em “O Dono do Mundo”. Os personagens mais boas-praças – como a cafetina Olga (Fernanda Montenegro) ou a socialite Stela (Glória Pires) – estavam à margem desta discussão classista. De fato, era difícil para o telespectador mais humilde (a grande maioria do público da novela) se identificar com sua classe refletida daquele jeito na televisão. O tiro do autor saiu pela culatra. Pesando a mão ao mostrar as diferenças entre classes de uma forma extremista, Braga parecia zombar do povão.