“Eu tenho um sonho”: o problema do discurso de Martin Luther King, 50 anos depois

Atualizado em 30 de agosto de 2013 às 21:39

O controle rigoroso da família de MLK sobre o uso de sua imagem e sua obra estão de acordo com o que ele gostaria?.

 

Publicado originalmente na Mother Jones.

Eu tenho um sonho....
Eu tenho um sonho….

 

POR LAUREN WILLIAMS

Eu tenho um sonho: no 50º aniversário da Marcha sobre Washington, meninos e meninas negras de mãos dadas com meninos e meninas brancos vêem as imagens na TV de Martin Luther King Jr. fazendo seu famoso discurso. Eu tenho um sonho que nas colinas vermelhas da Geórgia, os bisnetos de antigos escravos e os bisnetos de antigos proprietários de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade, esta semana, abrir seus MacBooks e ouvir suas palavras seminais na Internet.

Mas esse discurso não é livre, infelizmente.

Ele não vai será de domínio público até 2038, 70 anos após a morte de King. Até lá, as empresas comerciais que desejam transmitir legalmente o icônico discurso “Eu Tenho um Sonho”, emitido em 28 de agosto de 1963 no National Mall, ou reimprimir as suas palavras, devem pagar uma bolada. A CBS e o USA Today aprenderam isso da maneira mais difícil em 1990, quando chegaram a um acordo com a família de King depois de usa-lo sem permissão. A Intelectual Properties Management, o negócio da família que funciona em conjunto com a companhia de música EMI Publishing, cuida do licenciamento da imagem e da obra de King.

Devido aos processos bem conhecidos contra organizações de notícias e outras brigas judiciais menores, os filhos de MLK têm a reputação para manter um nível de controle sobre o legado de seu pai, que é rigoroso no melhor sentido e avarento no pior dos casos. Os críticos são céticos quanto ao fato de  que “I Have a Dream” é mantido sob estrita vigilância em nome da imagem de King enquanto, ao mesmo tempo, é licenciado para empresas ricas que o empregam em comerciais de TV, incluindo um anúncio de 2010 da Mercedes-Benz e outro,  particularmente irritante, da Cingular Wireless, que também incluía citações de Caco, o Sapo e Homer Simpson.

Em 2007, no livro “Children of the Movement”, o filho de King, Martin Luther King III, negou que ele e seus irmãos estivessem tentando lucrar com a imagem do pai e disse que há inúmeros pedidos de licenciamento que eles rejeitam. Mas eles estão sempre assombrada por comparações com seu pai, que evitou a riqueza pessoal. “Meu pai deu tudo”, disse ele. “Ele não se preocupava com dinheiro. As pessoas esperam que sejamos como ele”.

Mas a questão para advogados da reforma dos direitos autorais, historiadores e jornalistas não é tanto se a família King ganha dinheiro, mas como negociar o sentido geral de que as obras e a imagem de King têm uma tal ressonância educacional e histórica no 50 º aniversário da Marcha sobre Washington — que parece absurdo que o copyright de seu discurso seja tão protegido.

Jennifer Jenkins, diretor do Centro de Estudos do Domínio Público da Faculdade de Direito da Universidade Duke, diz que respeita o direito da família de manter o legado. “Mas esse objetivo pode estar um pouco em desacordo com o que MLK queria que as pessoas fizessem com seu discurso.”

É claro que, tecnicamente, o discurso está ao alcance de qualquer um. O DVD é vendido a US$ 20 pelo King Center, organização sem fins lucrativos com sede em Atlanta, fundada por King e sua falecida esposa Coretta e dirigido por seus filhos Martin III, Bernice King (CEO do centro), e Dexter King (Yolanda, a irmã mais velha, morreu em 2007). Mas muitos argumentam que, para certos propósitos, ele deveria estar disponível de forma gratuita.

“No 50º aniversário, qualquer criança, qualquer educador, qualquer pessoa deveria ser capaz de acessar o Google e assistir ao discurso em sua totalidade”, Jenkins diz. “É um pedaço da história, e acho que a maioria das pessoas gostaria que ele fosse gratuito, talvez não para uso comercial, mas certamente para fins de documentários educativos e jornalísticos sobre o movimento dos direitos civis”.

O documentarista Orlando Bagwell, autor de “Citizen King”, sobre os anos entre a Marcha sobre Washington e o assassinato de MLK, teve problemas com os herdeiros. Ele foi processado por usar imagens sem autorização e pagou uma quantia não revelada. “A família King é muito dura ao negociar o discurso”, diz ele.

O Fight for the Future, uma organização sem fins lucrativos que defende a liberdade de direitos autorais na Internet, também teve problemas. O grupo postou o vídeo completo do “I Have a Dream” no Vimeo e incentivou as pessoas a compartilhá-lo. Evan Greer, um gerente da ONG, diz: “O alcance total on-line foi prejudicado por causa de direitos autorais”.

O vídeo foi postado em janeiro e ficou apenas algumas horas no Vimeo antes de ser removido por violar os termos do site, segundo Greer. Curiosamente, o mesmo vídeo ainda não foi retirado do YouTube, vários meses depois. Outros vídeos do discurso completo também podem ser encontrados, mas isso “não é uma vitória sobre leis de direitos autorais arcaicas”, afirma Jenkins.

“As pessoas podem dizer: ‘Ei! Ele está disponível, então do que você está reclamando? Relaxe. Está no YouTube! Mas isso não significa que seja uma garantia permanente”, diz ela. “Se fosse de domínio público, qualquer um poderia utilizá-lo e ninguém teria o direito de proibir”.

Livre, afinal — mas por quanto tempo?

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