Filmar o depoimento é uma maneira de Lula tentar conter novos abusos de um juiz parcial. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 5 de maio de 2017 às 18:42
Eles

Quando perguntam ao ex-presidente Lula o que ele acha que acontecerá com os processos em que ele é réu na Justiça Federal, em Curitiba, Lula diz: “Serei absolvido, não há nenhuma prova contra mim.”

Sobre a parcialidade do juiz Sérgio Moro, que até tucanos como Fenando Henrique Cardoso já admitem, ao dizer que se deve evitar a imagem de “perseguição”, Lula não fala.

A essa altura, nem reservadamente, correndo o risco da inconfidência, Lula se arriscaria a expressar essa opinião sobre o juiz, embora Moro tenha negado os mais importantes pedidos de sua defesa.

Na quarta-feira passada, Moro voltou atrás numa decisão que ele mesmo tinha tomado, de permitir que os advogados de Lula tivessem acesso irrestrito a toda documentação da Petrobras entre 2003 e 1º janeiro de 2011.

Nesse período, Lula presidiu a República e a intenção dos advogados era mostrar que não existe um único ato ou movimentação bancária que, de maneira direta ou indireta, indique que o ex-presidente induziu decisões ou se beneficiou de contratos da Petrobras.

O pedido é de outubro do ano passado, feito depois que a defesa viu rejeitado pelo juiz o pedido de perícia na contabilidade da Petrobras.

Mas a empresa descumpriu a decisão e não permitiu o acesso dos advogados a Petrobras, alegando entre outras coisas que a ida dos advogados à sede da empresa poderia constranger funcionários e – essa é a questão – dar oportunidade a um evento midiático.

Ao voltar atrás, no despacho assinado no dia 4 de maio – quarta-feira passada — o juiz observou que a defesa deve se contentar com os documentos apresentados pela empresa.

Na Lava Jato, eventos midiáticos acontecem o tempo todo —  até apresentação em power point –, mas parece que só é permitido quando servem para criar a imagem de Lula culpado.

O que a defesa de Lula queria é produzir mais uma prova da inocência do ex-presidente.

Um dos absurdos dessa processo é que a acusação não prova a culpa, mas a defesa busca provar a inocência o tempo todo.

Até quem entrou este ano na faculdade de direito sabe que, em regra, o ônus da prova cabe a quem acusa.

Uma prova a favor de Lula que tem sido continuamente ignorada é a propriedade do tríplex do Guarujá.

Em qualquer país civilizado, o que prova a propriedade é a escritura em cartório.

Não existe tal documento em nome de Lula ou de alguém da família dele, mas, ainda assim, a propriedade lhe é atribuída pelos procuradores da Lava Jato.

A OAS registrou, oficialmente, que o imóvel pertence à empresa mais de uma vez.

O documento foi juntado à Justiça no processo de recuperação judicial da OAS, como garantia de pagamento de credores.

A empresa também confirmou a propriedade do imóvel no processo para a emissão de debêntures – títulos que garantem o pagamento por empréstimo captado junto a investidores.

Ou seja, se não honrar os títulos, o patrimônio da OAS pode ser executado e, como patrimônio dela, aparece o tríplex que os procuradores dizem ser de Lula e da família dele – ainda que, já se saiba, ninguém da família Lula da Silva ou amigo deles tenha passado sequer uma noite ali.

Lula tem dito a amigos que o tríplex do Guarujá, que sua mulher, Marisa Letícia, efetivamente quis comprar, não lhe serviria.

“Ali é o Guarujá, está sempre cheio de gente, como é que eu daria um passo sem ser reconhecido? Apartamento ou casa de praia é para descanso e como eu faria isso sendo reconhecido o tempo todo?”

Marisa iniciou, de fato, a compra, com o pagamento das primeiras parcelas e depois desistiu – até hoje, não recebeu o dinheiro de volta e existe uma ação na Justiça cobrando a construtora.

Mas nada disso tem sido levado em conta no processo que obrigou Lula a comparecer, como réu, diante de Sérgio Moro.

O que é insistentemente divulgado é o depoimento do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, que diz que o imóvel pertence a Lula.

Mas poucos se perguntam qual é a credibilidade de Leo Pinheiro? Ele é réu e, nessa condição, pode mentir sem ser prejudicado.

Se fosse testemunha, teria compromisso com a verdade. Como réu, não.

Se fosse admitido como réu delator, também teria de dizer a verdade, sob perna de perder benefícios legais concedidos a quem faz delação.

Mas Pinheiro não é testemunha nem delator. O que é então?

Réu. Apenas isso. Réu. Pode mentir à vontade, inclusive se o objetivo dele for seduzir os procuradores e o juiz Sérgio Moro a aceitar seu pedido para se tornar delator.

No dia 10 de maio, Lula estará frente a frente com a autoridade que, a essa altura parece evidente, quer colocá-lo na cadeia, depois de investigá-lo, juntamente com os procuradores, permitindo, por exemplo, a intercepção telefônica – que depois ele divulgou.

Como se defender se quem vai julgá-lo é quem o investigou e, conscientemente, vazou para a TV Globo grampos legais e grampos ilegais?

Como se defender diante de um juiz que se recusou a declarar a absolvição de Marisa Letícia, depois de seu falecimento, como determina a lei?

Moro extinguiu a punibilidade de Marisa – o que é óbvio, pois não é possível punir quem já não vive –, mas a legislação determina a absolvição sumária, por uma razão muito simples: o acusado não pode mais se defender.

Hoje, quando se faz uma pesquisa na Justiça Federal, Marisa Letícia Lula da Silva aparece como ré. Até quando?

É outro absurdo jurídico que se mantém na 13ª Vara Federal de Curitiba, a jurisdição de Moro.

Lula não diz, mas sabe que comparecerá diante de Moro na condição de um jogador de futebol que entra em campo com a certeza de que, por baixo da camisa preta, o juiz veste o uniforme do time adversário.

Como vencer?

Só mesmo permitindo que todos vejam, como num estádio lotado, e aí o pudor pode impedir abusos maiores.

Muito provavelmente essa é a razão para que o time de Moro, ops, os procuradores da República levaram em conta para pedir ao juiz que proíba a defesa de exercer o seu direito de gravar tudo durante a audiência.

Os procuradores dizem que querem proteger Lula, pois a gravação poderia tornar pública a estratégia de defesa do ex-presidente.

Nem no futebol se vê tamanha desfaçatez.

Você já imaginou o Corinthians pedindo a um juiz que não permita a transmissão do jogo aos torcedores do Palmeiras porque isso poderia prejudicar o adversário?

Esta é a realidade que antecede a histórica audiência do dia 10 de maio, em Curitiba.