“Fui preso sob suspeita de roubar meu próprio carro”

Atualizado em 20 de abril de 2015 às 12:48

policia

Por Pedro Afonso, no site Geledés.

 

Eram 19h de segunda-feira, dia 30/03, quando cheguei à Faculdade de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Minas Gerais, onde sou aluno. Ao trancar o meu carro, fui abordado por uma viatura da PM. “O que você está fazendo aí?”. Respondi que era trabalhador.

Um sargento e um cabo, ambos da 124a. cia, do 22o BPM, saíram com armas em punho: “mão na cabeça, vagabundo, e cala a sua boca”. “Conheço meus direitos, não podem me abordar dessa forma e já vou fazer uma representação contra vocês na corregedoria”, argumentei. Foi o suficiente para que a truculência aumentasse. Com violência, me algemaram. Em minha volta, colegas, professores e vizinhos começaram a protestar.

Senti medo, vergonha e indignação.

As pessoas que me defendiam também eram ameaçadas e coagidas a não registrar o que estava ocorrendo. Me jogaram no carro.

Dentro da viatura, argumentei que eles deveriam ter averiguado se o carro era ou não meu, uma vez que a acusação era que eu estava roubando o veículo. Decidiram voltar. Exigi que houvessem testemunhas, com medo de que plantassem alguma coisa no meu carro.

Neste momento, já se formava um grupo significativo em torno da ação e os policiais pediram reforço de outra viatura. As ameaças de prender a quem se opusesse aumentavam. O tempo inteiro eu estava algemado, ainda que em nenhum momento tinha resistido fisicamente à prisão. Queriam me humilhar, constranger. Conseguiram.

Disseram aos meus amigos que me levariam para a delegacia da rua Pouso Alegre, mas me levaram para uma delegacia no Coração Eucarístico. Lá, um tenente apareceu e tirou uma foto minha em seu celular.

“Essa é para meu registro pessoal”, ele disse em tom ameaçador. No boletim de ocorrência, fui acusado de desacato à autoridade, desobediência e resistência. Tentaram sair com a minha mochila da delegacia. Queriam revistá-la, novamente, longe de mim.

Quando estava na viatura, ouvi do sargento: “você vai pagar umas cestas básicas para aprender o que é polícia”. No momento, me calei.

Agora, respondo:
Eu, como a maioria dos negros e negras deste país, sei muito bem o que é polícia. Fui preso, constrangido, humilhado, machucado porque sou negro. Porque, sendo negro, ousei ter um carro, dirigi-lo e me recusar a pedir desculpas por isso.

Porque, sendo negro, me recusei a ser suspeito, a tomar um esculacho sem protestar. Eu tenho possibilidade de vir aqui, de reverberar essa violência, de ter os docentes da minha faculdade posicionando-se a meu favor, de ter o apoio da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogado do Brasil.

A grande maioria dos jovens negros deste país, negros, pobres e periféricos, pouco podem fazer contra a violação sistemática de seus corpos, integridade e dignidade. Ainda assim, somos irmãos de cor e sabemos, muito bem, desde muito cedo, da pior maneira possível, o que é polícia.