Onde a guerra se complicou ainda mais para os nazistas

Atualizado em 6 de junho de 2013 às 19:23

Nosso colunista vai à Normandia, palco do chamado Dia D da Segunda Guerra.
q25R6px

DA NORMANDIA

Um mês depois de completar 18 anos Herman Kück morreu. Era junho de 1944. Encravado logo entre as primeiras fileiras, seu túmulo se encontra no cemitério militar alemão em La Cambe, na Normandia.

Ao contemplá-lo, tentei olhar para dentro de mim mesmo. Procurava algum contato com o garoto que fui com aquela mesma idade. Quanto sabia da vida? O que tinha visto do mundo? Quantas pessoas conheci desde então?

Kück, tão jovem, foi consumido pela espiral de violência deflagrada no evento que entrou para a história como o “Dia D”, e que hoje completa sessenta e nove anos.

Em 6 de junho de 1944, precisamente às 06h30, as forças militares aliadas desembarcavam em solo francês, dando início à Operação Overlord. Era o começo do fim para a Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

A invasão era uma antiga reivindicação de Stalin. Na frente oriental, o Exército Vermelho já exercia uma pressão titânica sobre a Wehrmacht, as forças armadas alemãs, e a vitória soviética na batalha de Stalingrado deixara patente que as pretensões nazistas na região eram inalcançáveis.

O marechal Rommel defendeu sem sucesso as forças alemãs na Normandia
O marechal Rommel defendeu sem sucesso as forças alemãs na Normandia

Restava, portanto, uma penetração no front ocidental que pressionasse a “máquina de guerra” germânica de volta para o seu território.

O desembarque, em si, não era segredo. Contudo, não se tinha uma idéia precisa do ponto da costa atlântica em que ele ocorreria.

A lógica indicava que a opção fosse o Passo de Calais, o lugar onde o território britânico encontra-se mais próximo da Europa continental.

Havia, também, a suspeita de que os aliados optassem pela Normandia. Só que a sólida campanha de dissimulação, as peculiaridades geográficas da região, e, sobretudo, as condições meteorológicas do dia da invasão, contribuíram para criar uma cortina de fumaça que induziu o exército alemão ao erro.

A gestão do segredo do “onde e quando”, informações elementares para o sucesso da empreitada, revela a destreza com a qual o General Dwight Eisenhower administrou um contexto que militar e politicamente seria um pesadelo para qualquer líder.

Isto porque, na linha de frente da operação, além de comandantes com personalidades obsessivas como Patton e Montgomery, somavam-se políticos com interesses conflitantes e fortes desejos de protagonismo, como Churchill e De Gaulle.

Em termos de homens e maquinário, as dimensões da operação transformaram o desembarque num evento histórico único. O maior já empreendido até hoje. Era uma iniciativa bélica em escala industrial.

E na mesma escala foi a inevitável carnificina que se desencadeou, nunca esquecida por aqueles que a vivenciaram em pleno campo de batalha.

Entre todos os desembarques do “Dia D”, aquele que deixou isso mais patente, e que entrou para a história como um dos combates mais encarniçados por um pedaço de território teve lugar na praia de Omaha.

Ali, as forças americanas enfrentaram a obstinada resistência da 352ª Divisão de Infantaria, vendo impotentes como companhias inteiras eram completamente dizimadas.

Os alemães, que não haviam sido atingidos pelos bombardeios preliminares, esperavam até que os veículos de desembarque fossem esvaziados; então abriam fogo, varrendo a praia com rajadas de metralhadoras, morteiros e armas antitanque.

A microhistória da operação é tão rica e pungente quanto aquela que se vê nos clássicos anais da Segunda Guerra Mundial. Basta imaginar a fatídica certeza que alguns tinham de que pereceriam naquele dia, a inocência de muitos que jamais imaginaram o inferno que efetivamente encontrariam, o pavor na tropa alemã diante da massiva concentração naval a alguns quilômetros da praia, ou os civis franceses soterrados nos escombros de Caen e Saint-Lô.

Nem todas as praias revelaram-se tão difíceis quanto Omaha. Em muitos casos, as rendições e deserções do lado alemão encerravam prematuramente o combate.

A razão disso era que muitos dos que empunhavam armas do lado germânico possuíam outras nacionalidades. Provinham de países ocupados, e não tinham qualquer razão para arriscar a própria vida por interesses que não fossem diretamente seus.

Além do elemento surpresa, contou a favor dos aliados a supremacia aérea e a desorganização do comando da Wehrmacht à hora de agilizar a resistência ao desembarque com as temidas divisões de tanques.

De modo geral, o Comando Aliado sabia que enfrentava um adversário respeitável. A “Muralha do Atlântico” fortificada por Rommel, uma linha de defesa que se estendia da fronteira entre França e Espanha até a Noruega, só seria superada da forma como o foi com o sacrifício de milhares de homens.

A operação poderia ter fracassado miseravelmente. Eisenhower sabia disso.

Tanto é verdade, que ele levava no bolso uma mensagem alternativa para comunicar pela rádio uma eventual derrota.

O general Eisenhower tinha um comunicado pronto para o caso de a operação fracassar
O general Eisenhower tinha um comunicado pronto para o caso de a operação fracassar

Visitei recentemente a região do desembarque, viajando por uma Europa na qual não é mais necessário apresentar um passaporte em cada fronteira.

É um dos lugares mais belos da França, salpicado por pequenas cidades com casas de pedras, ruas enfeitadas com flores, e presididas, cada uma, por sua respectiva igreja, com um pequeno cemitério comunitário contíguo.

Quase setenta anos depois, os canhões nas ruínas das baterias de artilharia alemãs combatem apenas a ferrugem. Simbolicamente, no entanto, apontam para a nossa tendência a esquecer e a repetir continuamente as penúrias do passado.

E a mensagem mais veemente que aquela lúgubre manhã chuvosa nos transmite se encontra nos cemitérios militares, com suas intermináveis e simétricas fileiras de cruzes.

As praias da Normandia, onde tantos soldados tombaram, banhando-as com seu próprio sangue, hoje transmitem uma paz que pode ser sentida em qualquer lugar semelhante do mundo.

Caminhando pelas areias de Omaha, tento negar que seja simplesmente mais uma praia.

Eis que me dou conta, porém, da quietude do lugar.

Compreendo que a natureza é indiferente ao patético drama que protagonizamos sobre esse planeta, e sigo viagem.