“Haddad só conversa com ciclistas”: o presidente do conselho de moradores de Higienópolis fala ao DCM

Atualizado em 13 de setembro de 2014 às 10:42
Ciclovia em Higienópolis
Ciclovia em Higienópolis

 

Nas últimas semanas, o prefeito Fernando Haddad intensificou a criação de ciclovias e ciclofaixas na cidade de São Paulo, medida que recebeu elogios de uma parte da população e críticas de quem acha que essa operação tem sido feita de maneira caótica.

Entre as críticas, a que ganhou maior repercussão recentemente foi feita pelo senador e candidato a vice-presidente pelo PSDB na chapa de Aécio Neves, Aloysio Nunes. O político afirmou no Twitter, na noite da última terça-feira (9), que a inclusão de ciclovias é um “delírio autoritário de Haddad”. O tucano disse que a política municipal do petista provoca a “revolta nos moradores de Higienópolis”.

O DCM ouviu Fabio Fortes, presidente da Conseg, o Conselho Comunitário de Segurança de Higienópolis. A entidade também atende bairros próximos, como Consolação e Pacaembu. O bairro paulistano é um dos mais combativos contra a implantação das faixas exclusivas para bikes.

Fortes deu suas opiniões sobre elas, reclamou da política de transportes do prefeito Fernando Haddad e acredita que não existe preconceito dos moradores do bairro de Higienópolis, só falta de planejamento urbano.

Você acredita que a região de Higienópolis está bem servida de transporte público? 

Higienópolis está sim bem servida de ônibus e de estações de metrô, como a própria Santa Cecília e até a República. Você se locomove aqui andando apenas alguns metros para chegar nos locais. A ciclovia é bem-vinda, mas ela precisa ser planejada.

Por exemplo, a indústria da multa funciona a toda com os carros, mas por que os próprios marronzinhos da CET não andam de bicicleta? Eu acho que o posto de saúde precisa ter bicicleta, assim como escolas e creches.

Por que você acha que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) deveria usar bicicleta?

Se a CET implanta as ciclovias, por que ela ainda usa carro? Tem que usar bicicleta também. Essa política toda me soa como pataquada do prefeito. Fernando Haddad faz uma política de improviso. Esse senhor é um improviso. Ele não acompanha a realidade da vida das pessoas em São Paulo. Haddad tem todo o direito de tentar renovar e apresentar uma nova cidade, mas ele não sem conversar ou fiscalizar. Nunca vi fiscais de bicicletas, mas de veículos sim.

Qual é a sua opinião e a de moradores e comerciantes sobre as novas ciclovias em Higienópolis?

Se a gente vive numa democracia participativa, por que nós não tivemos a possibilidade de participar desta decisão do prefeito? Tivemos uma reunião em agosto, entre 200 pessoas representando os moradores e comerciantes com apenas dois representantes do conselho participativo da prefeitura. Eles sabiam da nossa opinião, mas fingem não saber de nada. A gestão da prefeitura está colocando nós uns contra os outros. Eu uso bicicleta e a minha esposa também usa.

Até a ROTA da Polícia Militar utiliza bicicletas. Só que a ciclovia como está projetada provoca transtorno em Higienópolis e nos outros bairros que atendemos. Já há desemprego em regiões onde os carros não conseguem descarregar cargas de caminhão. O prefeito pensa em bicicletas, mas e o restante da população? Como fazer a mudança das pessoas se a faixa à direita não pode ser utilizada? Temos a ciclovia há mais de um mês e só passam, em média, um ou dois ciclistas por dia.

Eu acho que a prefeitura não fiscaliza direito nosso bairro. Os idosos sofrem e podem tropeçar nas calçadas que não são cuidadas. Existem desníveis de piso que, junto com os prédios antigos, mostram que nós não recebemos a atenção necessária. Falta inteligência nas políticas públicas e essas ciclovias não estãoalinhadas com a cultura dos idosos da nossa região.

Como foi essa reunião com a prefeitura em agosto? 

Estivemos com o secretário de transportes Jilmar Tatto no último dia 13 de agosto. Ele basicamente colocou moradores contra ciclistas. Nós registramos um boletim de ocorrência. Isso mostra como a prefeitura não tem planejamento. Eles planejam conforme vão implantando as coisas. O nosso bairro está sendo alterado no improviso diante de resultados imprevisíveis.

Eu queria um prefeito com a qualidade de um político de Amsterdã, da Holanda, com as ciclovias que eles possuem lá. Também queria um comércio como o holandês. Mas essa não é a realidade brasileira e essa comparação com a Europa é descabida. Há um exagero nisso.

Então o senhor concorda com a declaração do candidato a vice-presidente, Aloysio Nunes, de que as ciclovias do prefeito Fernando Haddad são “delírio autoritário”?

Sim, porque ele está impondo uma situação que poderia ser resolvida no diálogo. Haddad fala com os ciclistas. Então eu pergunto: Por que ele não conversa com moradores e comerciantes dos locais onde vai fazer mudanças? Tá faltando diálogo. Esses conselhos que definem as ciclovias não divulgam suas ações e já implantam sem aviso prévio. Cadê a democracia participativa? Os benefícios das bicicletas serão imensos, mas não dá pra mudar São Paulo da noite para dia e sem consultar as pessoas. Eu quero que alguém da imprensa, algum colega, me fale quais atividades justificam esses investimentos em bicicletas? Higienópolis tem outras prioridades, como reformar as calçadas de péssima qualidade e a iluminação pública, que ainda está em péssimas condições. Isso é mais urgente do que as ciclovias.

É só andar pela rua Jaguaribe e você não consegue encontrar uma calçada regular. Como é que o prefeito define suas prioridades? A calçada regularizada é uma prioridade real para idosos, assim como fazer as obras necessárias da Sabesp e da Eletropaulo. Por enquanto só são ficam remendos para os reais problemas.

O senhor não acha que existe um preconceito dos moradores de Higienópolis? 

Não existe preconceito da região e nem com ela. No entanto, existem pessoas com pensamento diferente dos nossos, o que é normal. O que precisamos entender é que o prefeito não é nenhum semideus, mas uma autoridade para atender o interesse dos cidadãos. Não sabemos quais interesses de fato ele atende com essa política de transportes. Ninguém está se colocando contra as ciclovias, mas sim a favor de planejamento. A implantação da ciclovia parece a mesma situação quando o Maluf colocou o Elevado Costa e Silva (Minhocão) na época da ditadura militar.

 

Fabio Fortes, de Higienópolis
Fabio Fortes, de Higienópolis

 

Então o prefeito Fernando Haddad é um oportunista?

Eu acho que sim. A prefeitura não se comunica hoje e nem tomou providências para evitar a cultura do carro na cidade. Os governos Lula e Dilma trouxeram como grande iniciativa baixar IPI do carro para aumentar o consumo, eu estou mentindo? Hoje tem gente sem dinheiro para comer ou estudar, e tem um carro. Quem incentivou a compra do carro nos últimos 12 anos? O governo federal do PT.

As pessoas usam bicicleta nas cidades pequenas, mas não existe uma política nacional de estímulo. Se o governo tira o IPI do carro, é porque ele não pensou em transporte coletivo. O prefeito é mentiroso ao posar de “pró-transporte limpo”. Só agora ele está dizendo que o carro é inimigo da bicicleta. Ele não foi ministro da educação do governo? Por que ele não tentou mudar isso na época dele? Por que ele não desestimulou o carro?

Hoje a indústria automobilística não emprega mais ninguém, só robô. E, ainda por cima, a administraçãodo Haddad tem uma avaliação muito ruim. Eu acho que ele está se aproveitando da bicicleta para tentar alavancar o próprio governo. Além disso, pra mim, os países que implantaram ciclovia são países frios, no norte da Europa.

Eu estive na Europa e realmente é verdade nos países nórdicos. No entanto, Fernando Haddad cita Medellín, na Colômbia, como exemplo de metrópole com transporte de bicicleta. Lá é quente. Por que São Paulo não pode ser assim?

 É verdade, mas não dá para implantar uma política pró-bicicleta sem planejamento. Entendeu?

Você acredita que as manifestações dos moradores contra a construção de uma estação de metrô foram justificáveis tempos atrás, em 2011?  

O movimento dos moradores veio da associação “Viva Higienópolis”, do empresário Pedro Ivanow, não da Conseg ou de mim. O metrô da Linha 6 – Laranja originalmente iria ser na Avenida Angélica. Eu não acompanhei isso de perto, apesar da minha associação atender a região. O Pedro teve uma participação muito grande, mas não é ele que disse que drogados, maconheiros e “gente diferenciada” ficam perto dos metrôs e sim uma senhora idosa [na verdade foi supostamente dita por Guiomar Ferreira, 56 anos, que é psicóloga e nega a frase depois da reportagem da Folha de S. Paulo].

Teve também uma discussão se a estação seria perto da FAAP, uma região de maior movimento. Eu acho que as pessoas não souberam conversar com a imprensa naquele momento, porque a ideia do metrô não é ruim em si. Pelo que eu fiquei sabendo, o projeto, eu acho, vai ser entre a Rua Sergipe com a Bahia.