Hayao Miyazaki: a obra-prima de despedida

Atualizado em 10 de novembro de 2014 às 15:37


Saí do casulo. E fui ao cinema assistir à pré-estreia de Vidas ao vento (Kaze tachinu), de Hayao Miyazaki. Sentadão na poltrona, curtindo a arte de um verdadeiro mestre da animação, noto que o sujeito ao meu lado chorava. O rapaz – estilo jovem descolado – tinha lá seus vinte e poucos anos. Entregue aos prantos, porém, mais lembrava uma criança entristecida.

Em nada estranhei as lágrimas que o anônimo estava a verter. Pois, absorto em reflexões existenciais e comovido pela sutileza do filme, eu também chorava.

Vidas ao vento é uma obra marcante. E, se um dia me for solicitado resumir o filme em uma palavra só, não terei dúvida. Sensibilidade.

The wind rises
Vidas ao Vento

O enredo, baseado na história real de Jiro Horikoshi, designer de aeronaves que viveu no Japão da década de 1930, reconstrói com beleza indizível a vida e obra do talentoso artífice.

Voar é um dos mais ancestrais desejos humanos. Mas foi somente no século vinte que ele se fez real – quando, para realizar um anseio de liberdade ou para empreender a atrocidade da guerra, floresceu a arte e a técnica da aviação. Superficialmente, Vidas ao vento é a saga de um engenheiro de máquinas voadoras; mas, na essência, a obra revela simplesmente o espírito puro de um idealista a projetar sonhos.

Sonho, aliás, é uma palavra onipresente na trajetória cinematográfica de Miyazaki, que, como ninguém, é capaz de arquitetar universos oníricos tão belos quanto envolventes, nos quais imaginação e realidade parecem mesclar-se em harmonia perfeita. Para entender Hayao Miyazaki, é inútil separar o real do irreal.

Vale lembrar: em Vidas ao vento, estamos falando de um Miyazaki no auge de seu reconhecido perfeccionismo. Inconfundível é sua linguagem de sutilezas; a beleza dos traços; e a delicadeza dos movimentos; e o mistério interior de seus complexos personagens. Também as cores, a luz… Paisagens, contornos e formas emprestam à narrativa uma personalidade colorida e vivaz que nos aprisiona à contemplação.

É a animação em sua mais elevada forma de arte.

A propósito, a arte de Miyazaki é um contraste violento com a superficialidade do cinema enlatado à la Hollywood. Os personagens do diretor – em praticamente todas as suas obras – não são bons nem maus. São apenas humanos. E os temas, bem, eles falam por si. Profundidade temática e densidade psicológica consagram o estilo do diretor.

Como não poderia deixar de ser, a irretocável trilha sonora ficou por conta Joe Hisaishi – parceiro de longa data de Miyazaki. Foi Hisaishi que musicou os inesquecíveis clássicos Princesa Mononoke (Mononoke-hime) e Sen to Chihiro no Kamikakushi, por exemplo.

Curioso: parece haver algo de autobiográfico na trama de Vidas ao vento. Detalhes sutis. É, afinal de contas, a relação de um artista com sua própria arte. O filme se passa na década de 1930, exatamente a década da infância de Miyazaki. Ele próprio era um apaixonado por aviação – e seu pai trabalhava no ramo. Quanto à sua mãe, sofria de tuberculose. Assim como a esposa de Jiro Horikoshi, o protagonista do filme.

Pensando bem, a auto-referência não é exatamente inesperada. Pois, para a desilusão dos fãs, trata-se do último filme da carreira de Miyazaki – que, com o lançamento, anunciou sua aposentadoria.

O diretor despede-se em grande estilo de sua inspirada carreira. E Vidas ao vento entra para a história, provavelmente, como obra magna de um mestre da animação.

Este texto é de autoria de Graciliano Meireles