Helen Mirren está certa ao detonar homens que põem as mãos nos ombros das mulheres? Por Nathali Macedo

Atualizado em 16 de setembro de 2015 às 17:18
Não coloque as mãos nos ombros dela
Não coloque as mãos nos ombros dela

O último pronunciamento de Helen Mirren me fez desistir da cruel certeza de que o meu feminismo é desmedido, demente, desproporcional. É que as pessoas – a mídia, os veículos de comunicação, e sobretudo os homens – nos convencem tanto e tão bem de que somos exageradas e vitimistas que, vez ou outra, é um bálsamo que uma mulher exemplar como ela apresente um discurso tão plausível e tão intimamente compreendido por cada mulher.

Mirren, que, ao lado de outras celebridades do cenário mundial, tem dado voz ao feminismo na grande mídia, não falou da violência contra a mulher, dos estupros institucionalizados no Oriente Médio ou da latente desigualdade de gênero mercadológica; ela referiu-se a uma opressão sutil, quase suave, mas que, por isso mesmo, merece toda a nossa atenção: o quão irritantes são os homens que colocam seus braços ao redor dos pescoços de suas mulheres. Irrita-a, diz Helen, porque ela vê nisso um sinal nítido de propriedade.

Posso ouvir dezenas de justificativas aparentemente coerentes para classificar como absurdo o discurso de Helen. “É só um sinal de proteção”, eles diriam. “É apenas carinho, independe de gênero!” ou “Diabos, que diferença isso faz para o feminismo? É só um gesto particular numa relação conjugal.”

Não, amigo, não é só um gesto particular. Não é só um fato isolado. É a opressão manifestando-se de maneira tão sutil e aparentemente inguênua que é a mais perigosa porque perpetua o machismo sem se deixar notar.

É estranho, de fato, problematizar algo que pode parecer, para alguns, tão insignificante em uma sociedade em que é preciso discutir o óbvio, mas o fato é que pode haver – e há – opressões diversas inclusive em relações aparentemente respeitosas e igualitárias.

O mundo mudou e nossas lutas têm que mudar junto. E assim como questões alarmantes como a violência doméstica precisam continuar em pauta, pequenas opressões também devem começar a ser problematizadas – como um ‘inocente’ braço sobre os ombros que denota demonstração de posse e dominação.

O homem que mantém com sua companheira uma relação de fato livre de opressões precisa estar disposto a ouvir, para que pequenos e significativos gestos como estes, arraigados silenciosamente mesmo nas relações mais modernas, não passem despercebidos.

Não nos contentaremos com salários equalizados, dignidade e liberdade sexual: queremos relações cujas simbologias sutis não nos violentem. E que a confiança e o respeito mútuo estejam tão nitidamente presentes que nenhum sinal de posse, ainda que involuntário, se faça necessário. É o que merecemos – você, Helen, eu, todas nós: mãos livres e ombros leves.