Homenagens a Doria pelo Brasil são fantasiosas e muitas partem de condenados. Por Willy Delvalle

Atualizado em 18 de setembro de 2017 às 7:35
Doria em Salvador na noite da ovada

Um prefeito homenageado no Brasil, supostamente um fenômeno. Ano passado, um candidato a gestor da prefeitura, que prometia ficar e jamais deixar o cargo para disputar outro. Agora, a coligação partidária de sua eventual candidatura à presidência é articulada por ele e seus aliados de norte a sul. Títulos, cidadão, gestor anti-drogas, empresário, referência…

As honrarias pelo país deram a João Doria a visibilidade que ele certamente queria, mas não pelo motivo que desejava. Ganhou a pecha de que vive mais fora do que dentro de São Paulo. E argumentou que a administra por celular. Desde o início de sua gestão, um levantamento mostrou que ele é o prefeito que menos projetos apresentou à Câmara em 32 anos.

Então onde estaria seu mérito?

A homenagem mais recente foi em Belém, na última terça-feira, quando o presidente da Câmara e vereador Mauro Freitas (PSDC) propôs conceder ao prefeito a Medalha Condecorativa Brasão D’Armas. Os vereadores aprovaram a proposta. Dias antes, os confetes foram no Jockey Club da capital paulista.

A corrida de cavalos que ocorre todo ano, que nunca viu nada de interessante no ex-prefeito, enxergou o contrário em Doria, um parceiro. O evento, chamado “Clássico Prefeito do Município”, foi inteiro dedicado ao tucano. Virou vídeo em sua página no Facebook, terminando com aquele sinal com a mão, o AceleraSP, que simboliza sua campanha e gestão. Nada mais oportuno para uma corrida de cavalos.

A homenagem veio depois de um tour por algumas cidades brasileiras, a maioria no nordeste, a convite de políticos e empresários. A de Natal, em 16 de agosto, foi talvez uma das mais simbólicas e contraditórias.

A proposta de que a Câmara Municipal concedesse a Doria o título de “Cidadão Natalense”  veio do presidente afastado da Casa, Raniere Barbosa, acusado de desviar mais de R$ 20 milhões em contratos superfaturados da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos. Poderia parecer estranho que a ideia partisse de um político do PDT, sigla de esquerda, parte da base de Dilma e atual oposição a Temer, que tem o apoio do prefeito paulistano. Sem problemas. A festa continuou mesmo assim.

Convidado para prestigiar a cerimônia, o governador do estado, Robinson Faria (PSD) só não foi por conta de um mandado de busca e apreensão da Polícia Federal em seu apartamento. Ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado, ele é investigado por supostamente se beneficiar de um desvio na Casa de quase R$ 5,5 milhões. Do lado de fora, havia protestos com dizeres como “Doria nunca será natalense” e “Fora Doria”.

Tampouco foi fácil ser homenageado em Salvador, onde o vereador Felipe Lucas (PMDB) propôs conceder a Doria o título de “Cidadão Soteropolitano”. Ali aconteceu o famoso episódio da “ovada”. Ovos foram lançados contra o prefeito, ou presidente para alguns. Ele imediatamente disse que os manifestantes eram petistas, prometendo fazer na Bahia e no Brasil o que fez em São Paulo, derrotar o PT, sendo ovacionado pela direita.

Doria e Richa

Em Teresina, alguns dias depois, a situação também não foi nada favorável. A Câmara rejeitou a proposta do vereador Luis André de Arruda (PSL) de conceder ao tucano o título de “Cidadão Teresinense”, mesmo com o prefeito Firmino Filho, que também é do PSDB, tendo maioria na Câmara.

A ira de Doria prosseguiu até que, em Fortaleza, no Fórum Empresarial, ele chamasse Lula de “sem vergonha, preguiçoso, corrupto e covarde”. Disse ainda que talvez o ex-presidente não soubesse ler.

Não adiantou esbravejar. Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa rejeitou a proposta do deputado Gustavo Corrêa (DEM) para conceder o título de cidadão honorário do estado ao gestor.

Mas nem tudo foi negativo no tour pelo Brasil. Aliás, international tour. Em Nova York, convites a 25 mil dólares de mesas próximas a Doria se esgotaram em meio à palestra que ele ministraria com o tema “Cenário político brasileiro: uma guinada para a centro-direita?”

De volta ao país, em Santa Catarina, a homenagem veio da Federação das Indústrias. Wilfredo Gomes, representante do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), exaltou o público depois que Doria discursou. Gritou: “Brasil urgente, Doria presidente”.

Em Vila Velha (ES), apesar do fato de Doria nunca ter estado na cidade, o vereador Ivan Carlini (DEM) propôs à Câmara que concedesse um título homenageando o tucano.

Na capital do Tocantins, ele foi convidado pelo senador Ataídes Oliveira (PSDB) para o 2º Encontro Estadual do PSDB do estado, depois que 20 prefeitos, na maioria do PMDB e PV, se filiaram aos tucanos.

Em Aracaju, o senador Eduardo Amorim (PSDB) pediu uma audiência com Clóvis Barbosa, presidente do Tribunal de Contas do Estado, além de Rodrigo Pereira Vasco, presidente do Instituto Voz Brasil, a fim de obter apoio para a viagem do prefeito, que palestrará no simpósio “Drogas, Políticas Públicas e Direito dos Dependentes Químicos”, marcado para o final de outubro.

Membros de diferentes partidos Brasil afora justificam seus convites a Doria como alguém que contribuiu com seus municípios e um grande gestor, seja por conta do pai, João Doria, ex-deputado federal, seja por sua atuação quando foi presidente da Embratur durante o governo Sarney (PMDB). Seja também pelas chamadas parcerias de São Paulo com outros municípios do país. Será mesmo que é daí que vem a glória entre as classes políticas da direita e empresariais?

O que permitiu a ascensão de Doria

Para Maria Hermínia Tavares, cientista política e professora aposentada da USP, o mistério da questão está principalmente na Operação Lava-Jato. “Ela reduziu as  chances eleitorais de muitos políticos que eram potenciais presidenciáveis e situam-se  na direita, no centro e na esquerda”, afirma.

Como prova disso, a professora cita as pesquisas de opinião que mostram “enorme descrédito” dos políticos já consagrados e acusados de corrupção.

As viagens e convites a Doria mostram, na avaliação da cientista, a busca pelas forças de centro-direita “por um candidato viável,  que  possa ser apresentado ao eleitores como símbolo de renovação,  e não pareça fazer parte do establishment que está desmoronando com as revelações da Lava-jato e outras operações”.

O escolhido é Doria, aponta Maria Hermínia, por ser alguém “relativamente jovem, imagem reforçada com algum botox e tintura para cabelos, agressivamente anti-petista, cheio de ideias, inovadoras embora nem todas factíveis, e sem envolvimento com os escândalos que vêm sendo revelados”.

Para a professora, trata-se de um candidato de centro-direita “bastante atraente”, a exemplo do resultado das eleições em 2016. O problema, segundo ela, é que, como prefeito, “ainda não mostrou serviço, nem foi além de operações de efeito para serem mostradas na TV e circularem por Facebook”.

Mais grave ainda é o fato de isso não importar politicamente. “O que está em jogo não é encontrar um candidato à altura da tarefa, mas sim um candidato eleitoralmente competitivo por simbolizar a renovação política que a população deseja”, explica.

Ela propõe que as forças de esquerda também busquem um candidato ou candidata que lhes permita renovar seu discurso e, principalmente, suas práticas.

De dentro do PSDB

Claudenor de Paiva, ou “Edu da Padaria”, microempresário, é fã número um de Doria e, para ele, as homenagens que o prefeito vem recebendo fazem todo o sentido.

Durante as eleições, ele ajudou a fazer campanha para o então candidato e, em agosto passado, filiou-se ao partido.

Morador de Ermelino Matarazzo, bairro carente na zona leste da capital paulista, ele reconhece que até agora pouca coisa mudou.

“Os jovens estão perdidos porque não tem lazer aqui, não tem uma casa de cultura, não tem um CEU, não tem um teatro. Não tem um lugar decente para o jovem fazer suas atividades físicas. Você conta no dedo o que tem”, observa.

E não é só no campo cultural. “Você chega num hospital, não tem remédio. No posto de saúde, não tem medicamento para os idosos. Onde está o dinheiro? Tem que começar a rever isso”, defende.

Para ele, esse quadro não é exatamente resultado da gestão Doria. “Isso sempre aconteceu. Eu gosto muito do Haddad como pessoa, ele fez um ótimo trabalho. Eu não gosto é do PT, porque não era o Haddad que mandava. Era uma cúpula. Ele queria fazer, mas os outros tomavam conta”, afirma.

Segundo Claudenor, apesar de Haddad, o que a cúpula do partido fez um foi um desastre. “Imagine como ele (Doria) pegou a prefeitura! Quem estava no poder? Os caras não tinham dó”.

A prefeitura diz que recebeu o orçamento deste ano com um “buraco” de 7,5 bilhões de reais, “no qual as despesas foram subestimadas e a arrecadação superestimada”.

Claudenor acredita que a população paulistana precisará esperar, pelo menos, até o ano que vem para começar a ver as mudanças acontecerem. “Até ele colocar a engrenagem para funcionar como ela deve ser, demora um pouco. O povo está desde janeiro só tapando buraco, porque não tem gente pra fazer o que tem de ser feito. Não tem verba”, diz.

Doria em Palmas, no Tocantins

“Com pouco, Doria está fazendo muito”, avalia, o que demonstra seu grande potencial para ser presidente.

Na opinião de Claudenor, suas viagens mostram não o abandono da capital, mas sua capacidade de liderança, diferente de Haddad. “Com o Dória, é diferente. É ele que está no comando. Não é o Alckmin, não é o Serra, não é o Aécio”.

Para o novo tucano, que se filiou após convite de um membro do partido na região, onde vai disputar as eleições para o diretório regional, a atual disputa interna do PSDB entre o prefeito e Alckmin deve dar espaço para o melhor.  “O nosso governador não tem perfil para presidente da república. Já o Doria nasceu com a estrela”.

Gastos

Questionado pela reportagem sobre os gastos do convite a João Doria para a viagem a Palmas, o senador Ataídes Oliveira (PSDB) não se manifestou.

Também perguntado sobre o assunto, mas em relação a Aracaju, o senador Eduardo Amorim (PSDB) tampouco respondeu.

Com relação à audiência solicitada pelo senador ao TCE do Sergipe a respeito da logística da viagem de Doria, o Tribunal de Contas do Estado esclarece que não arcará com nenhuma despesa.

Em nota, a assessoria do ex-prefeito Fernando Haddad refuta as informações da prefeitura sobre a situação orçamentária que encontrou no início do ano.

Afirma que as contas da gestão do petista foram aprovadas pelo Tribunal de Contas e que a Agência Lupa atestou a veracidade das informações.

Cita a concessão de grau de investimento à cidade de São Paulo pela Fitch Ratings. “A gestão financeira da cidade, na gestão Haddad, foi elogiada, em audiência pública pelo próprio Secretário de Fazenda atual”.

Sobre a declaração de que quem tinha comando na prefeitura era o Partido dos Trabalhadores e não Haddad, a assessoria também nega.

“Os secretários de finanças da Prefeitura não eram, nem nunca foram ligados ao PT. A gestão financeira da cidade, como já foi fartamente divulgada na imprensa no período de 2013-2016, era comandada com a participação direta do prefeito e de seus secretários de finanças, razão pela qual o Prefeito Haddad agradece o elogio da gestão Doria de que foi um bom gestor para São Paulo”, afirma.

Apesar de citar o termo “buraco” em nota ao DCM, a assessoria do ex-prefeito menciona que “a gestão Doria não fala mais publicamente em ‘buraco’, tendo em vista, acreditamos, os relatórios de aprovação do Tribunal de Contas do Município ratificados pela Agência Lupa”.

“Eles confundiam, queremos crer por desconhecimento da máquina pública, expectativa de receita com rombo ou buraco orçamentário”, acredita.

E argumenta que a principal frustração de receitas esperadas é de repasses relativos ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), “de responsabilidade do governo Temer”.

A assessoria de Haddad justifica ainda que se existisse o déficit apontado, “a atual gestão não teria deixado de reajustar a tarifa do transporte público e decidido não revisar a PGV (Planta Genérica de Valores) do IPTU, sob pena de crime de responsabilidade”.

O que esperar?

Se os êxitos ganharão das desventuras de Doria pelo Brasil, é o tempo e o povo quem vai mostrar. Talvez o prefeito seja mesmo um fenômeno. Não se sabe se como sinônimo de sucesso ou momentâneo.