Imprensa desonesta: Comitê da ONU era sério e apartidário quando negou cautelar a Lula, agora não vale nada. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 20 de agosto de 2018 às 13:47
Sarah Cleveland (Foto: Reprodução)

A imprensa, que praticamente ignorou o comitê de direitos humanos da ONU no episódio da decisão favorável a Lula, deu destaque ao órgão em maio deste ano, quando a decisão tomada era desfavorável a Lula.

As duas decisões foram tomadas por Sarah Cleveland, professora de direito na Universidade de Columbia, membro do comitê.

A defesa do ex-presidente havia pedido medida cautelar da ONU para obrigar o Estado brasileiro a libertar Lula, enquanto os recursos não fossem julgados pelas cortes superiores no Brasil.

O jornal O Globo deu à notícia o título “Comitê da ONU rejeita recursos da defesa contra prisão de Lula” e a publicou na página principal tanto do G1 quanto do jornal.  O Estadão destacou “ONU rejeita pedido de Lula contra a prisão”.

E fez um editorial em que ataca a defesa de Lula:

“O recurso à ONU prestava-se tão somente a tentar escamotear o fato de que Lula da Silva é um criminoso comum, um cidadão brasileiro que, diante das graves acusações oferecidas contra ele pelo Ministério Público Federal, foi submetido ao devido processo legal e condenado após a apresentação de seus argumentos de defesa”.

Fez ironia diante da declaração do porta-voz do comitê de que não seriam condidas medidas cautelares no caso de Lula.

“Resta saber se a ONU também faz parte do ‘complô’ contra o ex-presidente”, tripudiou o jornal.

Em um trecho do editorial, reconheceu a legitimidade do comitê:

“A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU de indeferir o pedido cautelar para libertação imediata de Lula da Silva não significa o fim do processo naquela instituição. No entanto, ela indica seu mais provável desfecho. Caso estivesse mesmo diante de um flagrante episódio de violação de direitos humanos, o órgão não hesitaria em atuar rápida e pontualmente para mudar a situação, dando ao menos conforto moral ao injustiçado. Não foi o que ocorreu”.

O jornal também elogiou o órgão da ONU encarregado de supervisionar e monitorar o acordo sobre direitos civis e políticos, do qual o Brasil é signatário:

“Uma vez mais, fica claro que ‘narrativas’ e discursos falaciosos podem ter apelo no mundo das paixões. O mundo dos fatos pede outro tipo de abordagem. A versão da ‘perseguição política’ pode mobilizar militantes, mas não órgãos sérios e apartidário.”

Agora, depois que a ONU exigiu respeito ao direito de Lula de participar da campanha eleitoral e determinou que sejam tomadas providências nesse sentido, inclusive acesso à imprensa, o jornal vai manter a opinião de que o comitê é um órgão sério ou apartidário?

Ou vai se inspirar em comentaristas como Carlos Alberto Sardenberg, da Globo, para dizer que a decisão não tem valor, só serviu para alimentar “fake news”?

O Estadão foi só o veículo mais apaixonado naquela questão, ao usar ONU como veículo para expressar suas próprias conclusões, desejos e visão de mundo.

Mas não foi o único a agir com desonestidade perante o público, quando confrontadas as repercussões nos dois casos.

Em maio, a TV Justiça, sob a autoridade do Supremo Tribunal Federal, noticiou a recusa do comitê de conceder cautelar a Lula no caso da prisão, mas ignorou a notícia da cautelar concedida para Lula participar das eleições.

A EBC, sob controle do governo Temer, também noticiou, e com destaque, a decisão de rejeitar a cautelar, em maio, mas agora deixou o público sem saber que o comitê de direitos humanos acatou o pedido da defesa de Lula para que ele participe da campanha.

Pelo que dizem os especialistas, a ONU não pode impor sanções ao Brasil pelo desrespeito a uma medida concedida pelo órgão com autoridade para “supervisionar e monitorar” os tratados internacionais.

Não haverá tropas internacionais invadindo o Brasil ou a proibição de comércio com empresas brasileiras. Mas o país será considerado violador de tratado internacional, um país que não respeita o que assina.

Portanto, a ONU não PEDIU que o Brasil respeite o direito de Lula fazer campanha, como maliciosamente informam os veículos do Grupo Globo. DETERMINOU.

Mas, como não tem poder de sanção, vai apenas dar conhecimento ao mundo de que o Brasil não cumpre tratado de que é signatário. E isso não é pouca coisa.

O episódio escancara mais uma vez a decadência institucional do Brasil.

Uma presidente foi retirada do cargo sem crime de responsabilidade, Lula foi condenado sem prova e sem demonstração de conduta criminosa.

Teve um alvará de soltura ignorado.

Agora, para manter Lula longe da campanha, as instituições, na prática, rasgaram um tratado internacional.

A violência é tão explícita que, até no ambiente interno, os defensores da prisão de Lula diminuem.

Não é por outra razão que Lula tem hoje a maior aprovação entre 17 personalidades pesquisadas, à frente do juiz Sergio Moro, de acordo com a pesquisa Ipsos/Estadão.

E aparece na pesquisa CNT/MDA para presidente com o dobro das intenções de voto do segundo colocado, muito próximo de uma eleição em primeiro turno.

Resultados que surgem mesmo com Lula encarcerado há quase cinco meses, sem direito a dar entrevista ou gravar vídeo.

São sinais de que cada vez menos brasileiros acreditam na velha imprensa e seus aliados nas instituições do Estado.