A indenização ao Frota e o estupro da Justiça. Por Nathali Macedo

Atualizado em 5 de maio de 2017 às 13:17

“Só neste país é que se diz só neste país”, li outro dia em uma crônica, mas este país é justamente o país onde é impossível não dizer “só neste país”.

Só no Brasil uma mulher condenada a indenizar um homem por danos morais por ter classificado como apologia ao estupro uma narrativa de estupro que este mesmo homem fez em um programa de entrevistas.

O homem em questão é Alexandre Frota, que contou que certa vez imobilizou uma mãe de santo pelo pescoço, fazendo-a desmaiar, e em seguida a violentou. Se isso não é estupro, eu, mulher, não sei mais o que é um estupro, e se contar isso em um programa de entrevistas, sem o menor constrangimento, não é apologia ao estupro, eu não sei mais o que é apologia ao estupro.

Mas mesmo diante do óbvio, a juíza de primeiro grau Juliana Nobre Correa condenou a ex-ministra da secretaria de Políticas para Mulheres no governo Dilma Rousseff, Eleonora Menicucci, ao pagamento de dez mil reais a Alexandre Frota, a título de indenização, por ter classificado como apologia ao estupro a narrativa em questão – dez mil de indenização por ter dito o óbvio.

Só no Brasil uma juíza mulher é quem assina uma sentença como esta.

Esse caso, infelizmente, não é um fato isolado. O movimento de culpabilização das vítimas – especialmente em crimes que envolvem a questão do gênero – cresce quase tão vertiginosamente quanto o próprio feminismo.

Tanto que – só no Brasil! – tramita no Senado um Projeto de Lei que visa tornar a falsa acusação de estupro crime hediondo. No Brasil, onde uma mulher é estuprada a cada onze minutos. No Brasil, onde uma menina é estuprada por trinta e três homens e apenas três deles são presos. Onde a palavra da vítima é sempre colocada em dúvida. Onde a cultura do estupro não apenas ainda impera: ela cresce e é alimentada por homens como Alexandre Frota e, infelizmente, também por mulheres como Juliana Nobre Correa.

As justificativas apresentadas por ela na sentença condenatória, aliás, são tão incoerentes que beiram o incompreensível. Ela diz que “a crítica [de Eleonora a Frota] deveria ter sido apenas sobre a visita de Frota ao ministro da Educação” (?)

Então, companheiras, é isso: um homem pode relatar como imobilizou e violentou uma mulher – absolutamente nada foi feito a respeito, na época – mas uma mulher não pode classificar essa narrativa como apologia ao estupro.

Afora o fato de – (não) só no Brasil – um homem poder absolutamente qualquer coisa, diante da famigerada polarização é difícil não pensar nas possíveis motivações políticas para uma sentença tão absurda, principalmente em se tratando de uma treta entre uma ex-ministra petista e um ator pornô de direita.

Uma condenação como essa não faz sentido nem mesmo no Brasil (o país em que coisas sem sentido acontecem o tempo todo): por que condenar uma mulher por criticar publicamente um homem que é assumidamente um estuprador? A quem exatamente a crítica de Eleonora atingiu? Quem ganha com essa condenação? A quem serve essa sentença? A quem, afinal, serve o Poder Judiciário Brasileiro?

Em todo caso, havendo ou não motivações políticas para o nosso absurdo machista do dia, a condenação de Eleonora é um insulto para todas as mulheres. É o judiciário – um homem branco, velho, rico e careta – nos dizendo que a questão do estupro deve permanecer onde sempre esteve: à sombra do medo e da vergonha.

As leis do meu país me violentam, e quando tomo conhecimento de um caso como este, sinto novamente o peso da violência institucionalizada sobre minhas costas. O peso de não poder chamar um estuprador de estuprador. O peso de não poder sequer escrever esta coluna sem medo de represálias. O peso de viver em um país que só me enxerga enquanto mulher quando lhe convém.

Mas o que esperar de um país em que a primeira mulher a chegar à presidência sofre um golpe machista? E, sobretudo, o que esperar de um país onde o Ministro da Educação recebe de Alexandre Frota uma pauta de reivindicações sobre educação?

Só no Brasil.