Invenção de Serra, Roberto Freire não terá problema em fazer o que Geddel mandar — entre outros. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 19 de novembro de 2016 às 7:59
Serra e Freire dão o abraço do afogado
Serra e Freire dão o abraço do afogado no Miss Universo Paralelo

 

Roberto Freire, o novo ministro da Cultura, foi definido por Zé Simão como “um Fernando Henrique sem chantilly”.

É bondade de Simão.

Político profissional, no mau sentido, Freire é o substituto ideal para Marcelo Calero, que contou que pediu as contas porque não cedeu às pressões de Geddel Vieira Lima, ministro-chefe da Secretaria de Governo.

Segundo Calero, Geddel queria que ele aprovasse um empreendimento nos arredores de uma área tombada em Salvador onde tinha um apartamento. Calero afirma que não ia entrar numa “maracutaia”.

Freire não teria esse problema.

É o tipo de sujeito que não vê qualquer constrangimento em assumir uma pasta cuja extinção ele defendeu publicamente ao responder a um fã no Twitter (onde, aliás, dá lições diárias de indigência, mais ou menos como um Roger do Ultraje de banho tomado).

Presidente vitalício do PPS, está sendo “premiado” por ser um dos mais abnegados defensores do golpe, de Temer e de seu criador e amigo José Serra.

Pernambucano com carreira em São Paulo, Freire é uma invenção de Serra, que abriu-lhe as portas dos conselhos das estatais da prefeitura, e depois do governo do Estado, dando-lhe sinecuras diversas entre os anos de 2005 e 2010.

Em junho, o DCM traçou um perfil de RF:

Desde o golpe militar, em 1964, ele convive numa boa com os governos de plantão – exceção do último período sob Lula e os dois mandatos de Dilma.

O exemplo mais recente é a sua aproximação com Temer.

Antes mesmo de o presidente interino lograr êxito no golpe, Freire já mexia os pauzinhos na tentativa de garantir uma vaga no ministério.

Num artigo na semana passada, chegou a dizer que “o novo governo transmite confiança à sociedade no momento em que deixa clara sua tolerância zero contra denúncias ou suspeitas de malfeitorias”.

Prosseguiu lembrando Itamar Franco.

“Seguindo o exemplo virtuoso dele, que também assumiu a Presidência após um processo de impeachment, Temer afastou dois ministros flagrados em gravações telefônicas em que conversavam com investigados na Operação Lava Jato. Ao contrário dos tempos do lulopetismo, o presidente demonstra que não haverá qualquer contemporização em relação a auxiliares envolvidos em suspeições”.

Freire cumpre atualmente, na condição de suplente, seu segundo mandato como deputado federal por São Paulo.

Mesmo procurando com lupa, você não vai encontrar nada relevante que tenha feito pelo Estado. Talvez venha daí a sabedoria popular de tirar-lhe 60 mil votos em quatro anos – de mais de 120 mil em 2010, recuou para míseros 62 mil na tentativa de reeleição em 2014.

Aos 74 anos, esse período de suplência é provavelmente o último do ex-comunista no Congresso.

Em 2018, certamente não terá pique para uma nova tentativa por São Paulo, tampouco fará sentido voltar para seu Estado de origem, Pernambuco, para candidatar-se novamente.

Será o fim daquilo que se convencionou chamar em Brasília de a era da “bancada da madrugada”, o verdadeiro papel ao qual Freire sempre se prestou: de dia se diz oposição e de noite negocia no escurinho do governo.

Tem sido assim desde 1970, no horror da ditadura, quando Médici o nomeou procurador do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Imagina só: um advogado de apenas 28 anos, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e um dos organizadores das primeiras ligas camponesas da zona da Mata, nomeado por Médici para um cargo importante no órgão responsável por barrar a reforma agrária.

Dois anos mais tarde, sempre no PCB e no Incra de Médici, candidatou-se a prefeito de Olinda pelo MDB, mas acabou derrotado.

Em 74, elegeu-se deputado estadual com 22 mil votos e, quatro anos depois, numa condição sui generis, conquistou o seu primeiro mandato na Câmara dos deputados, em dobradinha com Pedro Mansueto de Lavor, um então padre conservador do interior – o ateu Freire pedia voto para o padre na capital, enquanto Lavor corria o trecho no interior para garantir apoios ao tradicional representante do PCB.

Seguidamente reeleito, Freire foi deputado constituinte em 1986 pelo PCB, aliado de primeira hora do governo Sarney, no qual foi integrante de uma comissão parlamentar na antiga União Soviética.

Entretanto, Freire desgarrou-se do grupo e passou o tempo todo passeando por Moscou, já que tinha uma filha morando na capital russa. Ainda assim, não abriu mão todas as diárias a que tinha direito.

Nas eleições de 1989, quando Collor venceu, Freire fez papel de bom moço e recebeu financiamento de um aliado de Sarney — o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, o Robertão.

Como esse dinheiro não havia aparecido na prestação de contas da campanha, Robertão alegou que fez a doação em bois para um churrasco. Claramente uma história para boi dormir. O fato é que Freire foi o único que não atacou Sarney.

No mais, Freire, além de ser o presidente partidário mais longevo do país, numa clara conotação de que o PPS é o seu meio de vida, é apenas mais um político profissional disposto a ficar do lado de quem lhe dá mais (Serra que o diga).

Encara a política como jogo – o que não é surpreendente para alguém viciado em carteado que vive no Conrad Punta del Este, um luxuoso resort localizado no Uruguai – onde, para evitar dar na vista, se hospeda com o nome de João Pereira, aproveitando que seu nome de batismo é Roberto João Pereira Freire.

 

 

A Cultura não poderia estar em melhores mãos.

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