Janot diz que delações são “espontâneas”. E cachorro mia, não é, doutor? Por Fernando Brito

Atualizado em 13 de maio de 2017 às 10:21
Mônica Moura delata

Publicado no Tijolaço.

POR FERNANDO BRITO

Ontem, em palestra a estudantes de Direito – que são aqueles rapazes e moças que vão aprender daqi a algum tempo que, agora, a lei é a vontade do Ministério Público e dos juízes – o procurador geral da República, Rodrigo Janot disse que as delações premiadas são “espontâneas”.

“Não se prende para forçar colaboração, mesmo porque a lei diz que a colaboração tem que ser espontânea. Não somos nós, órgãos de controle, que chamamos o réu. A iniciativa tem que partir dele, que contrata um advogado e nos procura”.

E cita, para prová-lo que “dos 160 acordos de colaboração firmados no âmbito da Lava Jato em primeira instância e no Supremo Tribunal Federal, 136 foram realizados com pessoas em liberdade e apenas 24 – ou seja, 15% – com investigados detidos”.

O Doutor Janot, se não tem apego aos fatos, ao menos poderia ter algum respeito pela inteligência dos que o ouvem ou lêem.

Seus números são tão manipulados quanto as acusações vem sendo.

Desmonta-se o que diz num sopro.

Vejam: das 136 delações feitas por pessoas em liberdade, 76 são de executivos  ou agora ex-executivos da Odebrecht, que as fizeram por decisão empresarial tomada, evidentemente, para proteger o único réu preso da companhia, Marcelo, dono e filho do dono. Todos, ou quase todos eles, receberam da empresa compensação financeira para fazê-las.

Espontâneo?

Portanto, as 136, assim, já se reduzem a apenas 60.

O Dr. Janot poderia, para nos facilitar a vida, dizer quantos destes 60 já estavam condenados a longas penas ou já tinham amargado “as alongadas prisões que se determinam em Curitiba”, no dizer insuspeito de Gilmar Mendes.

Talvez dois ou três, se tanto, possam escapar destas categorias.

O Doutor Janot, tanto quanto toda a torcida do Flamengo e do Corinthians somadas, sabe que só há uma maneira de escapar da cadeia curitibana – fadada, quase que inexoravelmente, a ser confirmada em outras instâncias, porque poucos juízes capazes da heresia de contraria Moro, mesmo no Supremo.

A única chave deste cárcere é um dedo bem duro e, preferencialmente, apontado contra o PT, contra Dilma Rousseff e, especialmente, contra Lula.

Ou Janot não vê que a prisão – como nos tempos medievais – é a ferramenta de “conversão” em “honestos” de homens que roubaram milhões durante anos, desde que abjurem antes e apontem outros à fogueira?

Nem é preciso que haja lógica naquilo que se diz, como no fato de Lula, apontado como “chefe da propinocracia” ser acusado de pretender ter um apartamento no Guarujá – que chique, não? – ter feito um “puxadinho” num sítio e ter aceito que pagassem um depósito para as tralhas presidenciais que foi obrigado a herdar. Uma fortuna, quando um simples gerente, como Pedro Barusco, levou – ao menos na parte que confessou e devolveu – “apenas” R$ 300 milhões.

Ninguém está dizendo que a delação pode e deve ser, como ele afirma, um ” ‘instrumento poderoso de apuração”. Pode e sempre foi, mesmo quando não se formalizava em lei própria, mas apenas como atenuante de pena.

Mas é só olhar e ver que, agora, é quase que o único elemento de “prova”, vedete absoluta dos processos judiciais.

Tornamo-nos um país onde a alcaguetagem é virtude e o dedo-duro, um herói. E de uma justiça, como as folclórica senhoras fofoqueiras das vilas de antigamente, bisbilhotam a vida de todos, com a convicção de que vizinhos e as vizinhas são mesmo uns imorais e devassos e que devem “pagar” por isso com a execração pública.

O Doutor Janot deve ter esquecido da fórmula jurídica do alemão Hans Frank, aqui tão citada por criminalistas referenciais, como Nélson Hungria e Damásio de Jesus, quando tratam da desistência criminosa: “é voluntária quando o agente pode dizer: “não quero prosseguir, embora pudesse fazê-lo”, e é involuntária quando tem de dizer: “não posso prosseguir, ainda que o quisesse”.

Talvez isso o ajudasse a compreende melhor o significado de ser espontâneo: vem da própria vontade, não da obrigação de fazê-lo para se livrar das consequências dos atos que praticou.