Joseph Kony, um ano depois, está vivo e passa bem

Atualizado em 4 de março de 2013 às 9:14

O que será do movimento que galvanizou o mundo no ano passado?.

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O furacão causado pelo movimento Stop Kony está completando um ano. Com a proposta de mobilizar o mundo para capturar o monstro Joseph Kony, o vídeo tornou-se o fenômeno que mais rapidamente atingiu a marca de 100 milhões de visualizações. Só o site Invisible Children teve quase 500 mil visitantes únicos em um único dia.

A campanha era profissionalíssima e imediatamente transformou-se em milionária. Arrecadou quase 20 milhões de dólares a toque de caixa. Envolveu personalidades, atletas, políticos. Obteve apoio militar dos EUA e foi estipulado um prazo para que fosse pego o Bin Laden dos adolescentes: dezembro de 2012.

Nunca tínhamos ouvido falar em Kony, ficamos tocados, o vídeo era emocionante e bem feito. A luta vinha de longa data e a abnegação do idealizador Jason Russel era comovente. Construído ao longo de anos, o vídeo tinha o peso e o caráter de saga e material coletado suficiente para convencer.

Porém, como tudo que envolve muito dinheiro desperta desconfiança, Jason Russel foi colocado contra a parede em vários quesitos e entrou em colapso nervoso. Ficou peladão no meio da rua e isso parece ter sido, sabe-se lá porque, o principal causador do declínio, pois a partir daí tudo foi colocado em dúvida e a campanha desidratou.

Da fama ao anonimato foi tudo tão rápido que ainda restam US$ 15,5 milhões em caixa (ao longo de todo o ano foram captados $ 31.939 milhões).

Livre, leve e solto
Livre, leve e solto

Dezembrou chegou, passou e ninguém viu Joseph Kony. O que aconteceu?

O CEO Ben Keesey herdou o papel de “o rosto” da organização uma vez que Jason Russel passou semanas internado num hospital psiquiátrico e continua fora de combate e sob medicação. Numa das raras vezes em que foi contatado após o colapso, deixou entrever que sofria de um certo complexo de cristo. Achou que salvaria o planeta com sua indignação. “É o que me fez maníaco”, alegou.

Diante dos primeiros questionamentos em relação a sua idoneidade entendeu que o mundo adulto era um lugar hostil. Sobre a realidade enfrentada naquele momento, afirmou ter ouvido uma voz que dizia: “Todos que tentaram trazer a paz para o mundo tiveram de passar por este teste”.

A entrevista pode ser vista aqui.

Já o Invisible Children apresenta em seu site as quatro metas que tinha para 2012:

  • Fazer Kony famoso para criar conscientização global sobre as atrocidades do LRA (Lord’s Resistance Army), a milícia que comanda;
  • Aumentar a proteção de civis contra ataques do LRA;
  • Pressionar governos internacionais para apoiarem esforços regionais contra o LRA;

Essas três primeiras aparecem ticadas como realizadas e apenas a última como não atingida:

  • Ver Joseph Kony e seus principais comandantes capturados por forças regionais e julgados pelo International Criminal Court (ICC).

Há ainda no relatório anual ações qualificadas de “épicos progressos”. Consta que em 20 de abril, milhares de pessoas participaram ao redor do mundo do amplamente propagandeado Cover the Night (o equivalente a colar cartazes no poste como se fazia no velho oeste). Na verdade foi tímido, quase invisível.

E agora?

Independentemente da caçada prosseguir (o que, segundo a organização, é mantido como objetivo para 2013) ou das picaretagens, o que há de mais lamentável nessa história toda é que dificilmente algum movimento terá a mesma força novamente. Nenhum outro receberá o crédito que este teve, o acolhimento da causa de forma tão apaixonada pelos jovens que empenharam tempo e dinheiro. Jovens que ainda tinham sobretudo fé na raça humana, que queriam mudar o mundo como se quer quando se é jovem. E como velhos devemos lamentar muito por isso ter chegado tão perto de acontecer.

Jason Russell, o idealizador da campanha
Jason Russell, o idealizador da campanha

“Nada é mais poderoso que uma ideia” é a legenda que abre o vídeo. Talvez a desilusão da juventude desminta. A certa altura, o procurador Luis Moreno Ocampo diz comprometidamente: “Não será ruim para a juventude, será ruim para o mundo se falharmos”. A sensação que fica é que o mundo foi feito de palhaço. Criminosos sanguinários como Joseph Kony não são raros no continente africano mesmo em pleno século vinte um. Portanto, todo e qualquer esforço dispendido para capturar apenas um, já valeria.

Se daqui para frente documentários deixarão dúvidas sobre suas reais intenções, então indico uma obra de ficção. “Em um Mundo Melhor”, filme de Susanne Bier vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2011 retrata essa deprimente realidade africana através do protagonista Anton, voluntário do Médicos sem Fronteiras que enfrenta um Kony da vida enquanto em seu país o filho sofre bullying.

Se você leitor estiver preocupado com o ceticismo que o Stop Kony tenha provocado em seu filho, alugue o DVD e assistam juntos. O filme dinamarquês é um tratado de não violência e uma excelente oportunidade de refletir nossa civilidade. Pode ser o começo de um mundo melhor.