Juízes que se dizem vítimas de assédio moral fazem encontro secreto em sítio no DF. Por Renan Antunes

Atualizado em 31 de outubro de 2017 às 8:13
O juiz Liberato Póvoa, organizador do encontro de juízes

POR RENAN ANTUNES DE OLIVEIRA

Aquela rusga recente e escandalosa entre os ministros do STF Luis Barroso e Gilmar Mendes é só a ponta do iceberg da insatisfação existente entre magistrados brasileiros.

Revelações são esperadas num encontro previsto para o feriadão de Finados num sítio em Sobradinho (DF). Lá, juízes menos conhecidos, de tribunais de vários estados, vão se reunir de forma clandestina para lamber as feridas que suas carreiras sofreram (nos casos de alguns aposentados) ou ainda sofrem no Judiciário.

Juízes que se sentem vítimas de assédio moral estão sendo convidados a participar e expor suas histórias. Um juiz mineiro cujo nome não quer publicado fala que “é um encontro de veteranos traumatizados”.

Segundo os organizadores, casos de nepotismo cruzado nos tribunais, falta de transparência com os salários acima do teto e perseguição política também poderão ser apresentados pelos participantes, com garantia de sigilo da fonte (o inteiro teor das palestras ainda não é conhecido).

O evento é organizado pelo desembargador Liberato Póvoa, ex-presidente do TJ do Tocantins e pelo ex-juiz da comarca de Ibirama (SC), Fernando Cordioli, os únicos que aceitaram dar entrevistas. Ambos estão aposentados.

Póvoa perdeu o cargo em 2010, depois que a PF fez gravações que supostamente o implicariam em venda de sentenças – mas o TJ-TO nunca chegou a julgar o caso e ele se aposentou voluntariamente, por idade, em 2014.

“As acusações contra mim eram politicamente motivadas e vieram da (então) ministra Kátia Abreu (PMDB)”, queixa-se Póvoa.

Ele tem sido um crítico também da magistratura superior. Cordioli teve embates com o Ministério Público Estadual mesmo enquanto vestiu a toga. Ele perdeu o cargo por causa de um processo aberto a pedido de políticos do PMDB da cidade de Otacílio Costa há sete anos.

No primeiro momento, o TJ-SC o levou a julgamento no tribunal pleno por 64 desembargadores, mas ele foi absolvido e declarado idôneo.

A mesma passagem por Otacílio Costa foi rejulgada pela segunda vez quando ele já estava na comarca de Ibirama quatro anos depois, sendo então aposentado sob a acusação de pequenas infrações disciplinares. “Qualquer um ficaria doido com a perseguição que moveram contra mim”, diz o juiz.

Cordioli ainda tem um último recurso pendente no STJ, através do qual tenta retornar ao cargo.

SEGREDO DE REUNIÃO

O encontro de juízes está sendo mantido em sigilo entre os juízes que se sentem perseguidos porque muitos deles estão na ativa.

A Anamages (Associação dos Magistrados Estaduais, da qual o desembargador Póvoa é fundador) declarou desconhecer a iniciativa.

A reunião acontecerá no sítio de um desembargador mineiro, em local que os juízes repassam apenas para gente de confiança, através de aplicativos. Ninguém de fora do circuito está autorizado a participar: “A maioria teme represálias de seus tribunais”, disse Póvoa.

O desembargador Póvoa afirma que “é um evento em que nós vamos com nossos carros, pagando as despesas”.

Ele acha que se tornou malvisto pelos colegas “quando escrevi um artigo chamado ‘Turismo Jurídico’, denunciando encontros em locais paradisíacos e aos quais às vezes me recusava a ir porque achava um grande desperdício e nada era decidido. No final de três ou mais dias era expedida uma carta só para dizer que havia ocorrido aquele evento”.

No primeiro dia, os participantes vão se reunir na casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), e em seguida no sítio.

No segundo dia haverá apresentação dos juízes e suas histórias pessoais serão contadas. “Vai ser quase como uma rodinha dos alcoólicos anônimos”, resume o juiz Cordioli.

Nas sessões de mesa-redonda estão escalados para falar o “doutor Danilo XXX”, com seu “Manifesto dos Juízes Perseguidos”, e o “doutor Fernando XXX”, relator do “Projeto de Emenda a Constituição para adequação do Regime Disciplinar dos Juízes Brasileiros aos Pacto de San José da Costa Rica”.

Os participantes três e quatro são apresentados no aplicativo de forma mais secreta ainda, apenas como “Dra Y” e “Dr N”.

O QUE OS JUÍZES TEMEM

O juiz Cordioli relata que “o sistema quando está contra aqueles que não aceitam suas regras, usa toda sua força. Existem casos de juízes que são perseguidos de forma sutil. Investigadores vão nas famílias, procuram desestabilizar o ‘inimigo’, o ‘alvo’ de suas sindicâncias. Em seguida, usam de todas as artimanhas legais para levar o processo até cansar o sujeito”.

Cordioli conta que os organizadores não esperam muita gente “porque a perseguição os atrapalha. Mas, toda guerra é assim”.

O juiz acha que o assédio moral a magistrados “é um fenômeno moderno, agravado pelo CNJ, porque desembargadores e ministros acham que são deuses”.