Julgamento do Carandiru deve não dar em nada

Atualizado em 16 de abril de 2013 às 8:44

Tudo leva a crer que se trata de perda de tempo e de dinheiro do contribuinte.

O Carandiru foi implodido em 2002
O Carandiru foi implodido em 2002

 

O texto abaixo foi publicado na versão em português do site alemão DW.

Depois de mais de 20 anos, a Justiça brasileira iniciou nesta segunda-feira (15/04) o julgamento de parte dos policiais que atuaram no massacre do Carandiru. E, apesar da grande mobilização para acelerar o processo – espera-se um veredicto em dez dias –, há grande risco de que ninguém pague de fato pelas 111 mortes ocorridas naquele 2 de outubro de 1992.

O alerta é feito por Bruno Shimizu, defensor público e coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Segundo ele, a maioria dos crimes que estão sendo julgados já prescreveu, como lesão corporal e tentativa de homicídio. E os que ainda não, como homicídio consumado, correm grande risco de também ficarem sem efeito quando uma eventual pena for aplicada.

“O caso máximo de prescrição no direito brasileiro é de 20 anos desde o recebimento da denúncia. Assim, todas as lesões corporais e tentativas de homicídio estão prescritas. Quanto aos homicídios consumados, há uma enorme chance de prescrição, dependendo da pena aplicada”, diz Shimizu. “A defesa poderá, ainda, suscitar atenuantes obrigatórios, como eventual confissão e cumprimento de ordens.”

O processo do massacre do Carandiru – com 84 réus e 111 vítimas – foi desmembrado em quatro júris diferentes. A forma encontrada pela Promotoria para imputar a responsabilidade de cada réu foi dividir os policiais em grupos, levando em conta os andares em que eles atuaram no dia da invasão ao chamado Pavilhão 9.

Entre um e outro julgamento está programado um intervalo de dois a três meses. No primeiro andar, 15 detentos foram mortos; no segundo, 73; no terceiro, oito; e no quarto e último piso, 15 prisioneiros perderam suas vidas. Nenhum policial foi morto ou ferido a bala naquele dia.

“Esse julgamento é muito mais simbólico do que efetivamente uma garantia de que haverá uma resposta para a violação dos direitos humanos. O massacre do Carandiru já está impune, independentemente do resultado do julgamento”, frisou Shimizu. “Esses 20 anos mostram pelo menos a inabilidade ou má vontade da Justiça brasileira em reprimir violações de direitos humanos quando o autor é policial militar ou agente do Estado.”

Criticas à lentidão da justiça

A demora para a realização do julgamento e o fato de figuras importantes da época da cúpula do governo estadual de São Paulo – como o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho e o ex-secretário estadual de Segurança Pública, Pedro Franco – não terem sido denunciados recebeu críticas de organizações de direitos humanos nacionais e internacionais.

Apenas o coronel Ubiratan Guimarães, comandante da Polícia Militar na época, foi julgado – e condenado a 632 anos de prisão em 2001. Mas, em fevereiro de 2006, ele foi considerado inocente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O militar foi assassinado em setembro do mesmo ano. Sua namorada foi acusada pelo crime e, posteriormente, absolvida por falta de provas.

Condenado a 632 anos, solto e assassinado: coronel Ubiratan
Condenado a 632 anos, solto e assassinado: coronel Ubiratan

“Além do julgamento ser tardio, somente os policiais que receberam ordens para entrar e atirar foram colocados no banco dos réus. Os mandantes não vão ser julgados. Por isso não há como haver justiça neste julgamento”, diz o padre Valdir João Silveira, coordenador da Pastoral Carcerária Nacional.

De acordo com Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil, existe uma combinação de fatores para que o julgamento só seja realizado agora. Um deles é a complexidade do processo. O outro, afirma, é claramente a falta de vontade política da Justiça em acelerar o processo.

“A demora também sugere que ainda existe no Brasil um grau excessivo de tolerância em relação a maus tratos e crimes cometidos contra a população prisional. É como se houvesse um pacto perverso entre a violência, tortura e brutalidade vigente nos presídios brasileiros, não dando prioridade que o caso mereceria”, afirma.

O caso, segundo Roque, confirma também uma triste constatação presente no Judiciário brasileiro: que a Justiça trata as pessoas de maneira desigual, de acordo com a sua origem, cor e classe social. “Uma situação de vergonhosa tolerância”, afirma. “Essa violência foi cometida por agentes do estado e contra pessoas que estavam sob a guarda do estado. Então é um quadro de terror.”

O julgamento vai tentar esclarecer muitas questões ainda não respondidas, tais como quem deu a ordem para invadir o Pavilhão 9 e atirar nos detentos e, além disso, se houve envolvimento dos políticos.

“Você recebe a ordem para entrar e apaziguar o presídio. Mas será que na mesma ordem estava constando que deveriam entrar e massacrar?”, pergunta Antonio Flávio Testa, especialista em segurança pública da Universidade de Brasília.