Juristas preparam plano de segurança alternativo ao de Moro, que chamam de “grotesco”. Por Paulo Henrique Arantes

Atualizado em 16 de fevereiro de 2019 às 7:16
O ministro da Justiça, Sérgio Moro — Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

     

Grotesco. Assim juristas, políticos e acadêmicos comprometidos com normas civilizatórias classificam o projeto de Sérgio Moro de combate ao crime. A prisão do réu após condenação em segunda instância, antes do trânsito em julgado e portanto em franca afronta à Constituição, e a quase permissão para matar que se pretende dar a policiais têm sido combatidas até por parte da imprensa que há pouco tempo idolatrava o juiz-símbolo da Lava Jato.

      O projeto Moro, contudo, é pior do que se imagina. Quase ninguém viu, mas em determinado ponto ele dá autonomia à Polícia Federal e ao Ministério Público para firmar acordos internacionais diretamente, sem o crivo do Congresso Nacional ou do Presidente da República.

      “Pense na polícia brasileira trocando informações com a polícia americana, sem o mínimo de regulamentação sobre isso. Será que a polícia brasileira pode dar informações sobre brasileiros a uma força policial de outro país? Será que a nossa soberania não estará sendo colocada em risco nessa circunstância?”, indaga Alexandre Pacheco, advogado do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e de outros movimentos sociais.

      Pacheco integra um grupo que está elaborando um plano de segurança pública e combate ao crime a ser contraposto ao projeto Moro, e que deverá ser apresentado ao Congresso Nacional em caráter pluripartidário, com a chancela de todos os partidos que fazem oposição do governo Bolsonaro. A ideia é dar ao petista Fernando Haddad o comando político da iniciativa. Entre seus formuladores estão criminalistas como Fábio Tofic Simantob, Roberto Podval e Alberto Zacharias Toron, constitucionalistas como Pedro Estevam Serrano e lideranças do PT como José Eduardo Cardozo, Paulo Teixeira e Luiz Eduardo Greenhalg, para ficar nos que atuam no campo jurídico. Entidades como o grupo Prerrogativas, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), a Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) e o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) estão representadas no time, entre outras.

      “Estamos preparando uma alternativa que vai ser apresentada pela Frente de Esquerda no Congresso, por isso não dá para ser classificada como uma iniciativa do PT – isso seria um erro. É dos partidos de oposição e visa a combater o problema da corrupção de verdade, o problema da violência, o problema da atuação das facções criminosas nos presídios, exatamente as questões em que o projeto do ministro Sérgio Moro não toca concretamente”, explica o advogado Marco Aurélio Carvalho, fundador da Associação de Juristas para a Democracia e um dos coordenadores dos trabalhos.

      “É um trabalho dirigido por juristas progressistas preocupados com o avanço do Estado de exceção, com o avanço da cultura punitivista. O que se pretende é oferecer uma reflexão alternativa”, diz Carvalho.

      Outro trecho do plano Moro que passou despercebido pela imprensa obriga os presos a fornecerem material genético quando solicitado pelas autoridades públicas, caso contrário perderão direitos como a progressão de regime. “Fornecer um pedaço do próprio corpo? É bastante complicado dar ao Estado o direito de acessar o corpo de um cidadão. Trata-se de uma cópia quase literal do que faziam Joseph Mengele e os cientistas nazistas”, ataca Alexandre Pacheco.

      “Nossa intenção é bater na porta de instituições que atuam na área e também na de congressistas, e mostrarmos que 99% do que está sendo proposto por Sérgio Moro não faz nenhum sentido. Tudo que ele coloca como ideia anticrime provavelmente não trará nenhum efeito positivo”, argumenta o criminalista.

      Moro também demonstra desapreço pelas audiências de custódia em seu projeto, ignorando decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que atesta a necessidade do procedimento — que é o instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença da autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e necessidade de manutenção da prisão.

      Além disso, há “soluções” no plano Moro sobre questões que já estão sendo sanadas  pelo Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, a presunção de inocência. “É um casuísmo enorme, e ele está querendo tratar de forma errada – o instrumento processual legislativo não é aquele. Dessa forma, Moro está reconhecendo, por exemplo, que a prisão de Lula é irregular. Se a decisão do STF a respeito da prisão em segunda instância fosse pacífica, ele não proporia isso”, observa Marco Aurélio Carvalho.

      “O que está norteando o projeto de Sérgio Moro é um ideal punitivista que não vai resolver os problemas o país, inclusive vai piorar muitos deles”, critica.

      O projeto dos sonhos para a segurança pública, a criminalidade e a corrupção no Brasil, no entender dos juristas progressistas, envolve terrenos que Sérgio Moro não visitou. O ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato peca pelo primarismo penal.

      “Boa parte das coisas que ele propõe já está sendo tratada em projetos de lei. Outra parte das coisas que ele propõe não poderia ser tratada em projetos de lei. E uma outra parte das coisas que ele propõe são retrocessos que já foram derrotados no Supremo ou no próprio Congresso”, aponta Carvalho.

      Também as Defensorias Públicas fazem parte do grupo que desenvolve a contraposição ao plano Moro. No dia 27 de fevereiro, a Seção de São Paulo da OAB realiza audiência pública para discuti-lo.