Leia matéria abaixo: Renato Pompeu (1941-2014)

Atualizado em 10 de novembro de 2014 às 15:25

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Renato Pompeu, morto ontem aos 72 anos, estava certo: a imprensa brasileira piorou muito.

Basta dizer que o obituário do maior jornal brasileiro disse que ele se chamava Renato Pompeu de Toledo, numa confusão com o colunista da Veja, Roberto Pompeu de Toledo.

Mas os problemas da imprensa iam muito além de nomes errados, para ele.

Antes, os articulistas expressavam sua própria opinião, dissera Renato recentemente. E os editoriais eram o espaço dos patrões. Agora, os articulistas expressam a ideia dos patrões.

Neste ambiente jornalístico doentio, ele não via lugar para si mesmo. Nos últimos anos, ele estava à deriva, o que foi uma pena para os leitores.

Renato foi uma das figuras mais singulares do jornalismo paulistano. Era tão brilhante que conseguiu fazer uma carreira notável mesmo com os problemas psiquiátricos que tinha, por força dos quais, na mocidade, passou um ano no hospício.

Conheci-o na Veja, no começo dos anos 1980. Eu era um repórter iniciante, e ele um editor assistente que você não deixava de notar, tanto pela reverência que inspirava na redação quanto pelo seu jeito singular.

Todo dia, isso há 30 anos, ia trabalhar com uma camisa diferente de times estrangeiros de futebol. Posso vê-lo agora, vestido de Milan ou Inter de Milão, com seu andar lento, tão devagar quanto sua fala.

Uma vez o encontrei no banheiro da Veja, depois do almoço. Ele me contou que descobrira que era bom para os dentes não escová-los. Fazia meses que não escovava seus dentes.

Ele me explicou os motivos. Não guardei o as razões. Mas jamais esqueci o fato em si.

Outra vez, ele me contou que não conseguia ir ao cinema. Ficar duas horas numa sala era mais do que ele podia suportar.

Tive um contato distante com ele, mas mesmo assim venho-o citando ao longo de toda a minha carreira. Especificamente, no título que ele dizia ser o ideal para todo texto: “Leia matéria abaixo.”

Renato pertencia a uma família de grandes jornalistas. Paulo Pompeu e Helio Pompeu, seu pai e seu tio, se destacaram na Folha pré-Frias. Lembro bem de Helio, amigo de meu pai.

Seu irmão, Sérgio, foi diretor da Veja. Devo a Sérgio, morto já há alguns anos, minha entrada na Veja. Ele pegou um texto que eu fizera para a revista Senhor, tirou cópias e os enviou aos editores da Veja. Um deles me deu uma chance, e eu acabaria ficando na Abril 25 anos.

Sérgio é uma das histórias mais tristes que conheci no jornalismo. Jamais se recuperou inteiramente de ter sido afastado da Veja para que fosse contratado Elio Gaspari, então no Jornal do Brasil. Na realidade, recontratado, porque Elio saíra da Veja.

Era um grande e sábio jornalista, mas mentalmente instável. Uma vez, lhe perguntei sobre Elio, de quem os jornalistas falavam muito naqueles dias.

Jamais esqueci a resposta. “Você só conhece alguém quando é chefiado por ele. Eu chefiei o Elio.” Esta é uma verdade doída, como eu veria nos anos em que passei a ser chefe.

Na derrocada de Sérgio, fui visitá-lo algumas vezes nos finais de semana numa casa de repouso. Perdera tudo – a Veja, a casa bonita, o cargo, a mulher. E o juízo, e logo depois a vida.

Jornalista nenhum me comoveu tanto quando ele, e ainda hoje lembro com carinho e gratidão do grande Pompeu.

Quanto a Renato, termino o texto com um título do G1, o maior portal do Brasil, que reforça sua baixa opinião do jornalismo brasileiro destes anos.

“Estagiário de advogado diz que ativista afirmou que homem que acendeu rojão era ligado ao deputado estadual Marcelo Freixo.”

Como notado por muita gente na internet, concorre ao pior título da história do jornalismo no Brasil.

Muito mais eficaz teria sido o seguinte título: “Leia matéria abaixo”.