Lula, Aguinaldo Silva e uma novela sobre amor e ódio. Por Jean Wyllys

Atualizado em 10 de janeiro de 2018 às 8:10

PUBLICA ORIGINALMENTE NO FACEBOOK DE JEAN WYLLYS

Aos cuidados de Silvio de Abreu, diretor de teledramaturgia das Organizações Globo:

Como vinagre para vinho

[início da sinopse da novela das 21h ou série que escreverei quando os dias melhores chegarem]

Dois homens nascem no interior de Pernambuco, nordeste do Brasil, praticamente na mesma época. Não se conhecem nem têm parentesco. A narrativa acompanhará a trajetória dos dois em paralelo, como histórias independentes, até o momento em que elas se cruzarem.

Um deles parte cedo do sertão pernambucano com a mãe e os irmãos, fugindo da seca e da pobreza e em busca do pai alcoólatra, que virou suco na grande São Paulo. Cresce na periferia; trabalha desde cedo; torna-se operário; perde a primeira esposa no parto; casa-se de novo com o grande amor de sua vida (uma mulher que se colocará à sombra dele, mas será a viga-mestra de sua vida; ao lado de sua mãe, essa mulher será a heroína da história); sindicaliza-se e lidera a maior greve de operários em plena ditadura militar;

[neste ponto da narrativa, a história dos dois homens que ainda não se conhecem começam a se cruzar]

é preso; liberto com o fim da ditadura e ajuda a construir um partido político de esquerda que se torna um partido de massas; enfrenta difamações e perseguições enquanto se candidata ao cargo de presidente da República; jogando o xadrez da política, convence as elites do país de que não seria uma ameaça a elas e com elas faz conciliação que o torna presidente da república; por conta de sua origem e trajetória, faz governos populares em que se destacam políticas de distribuição de renda e contra a pobreza, ao passo que coloca o país entre aqueles em desenvolvimento, ganhando respeito e prestígio internacionais; apesar dos ranços machistas e homofóbicos que traz de sua formação, também dá alguns passos na garantia dos direitos das mulheres e de LGBTs; após uma segunda eleição consagradora, apesar da oposição de parte da elite do país, o homem deixa a presidência com alta popularidade e faz uma sucessora

[que terá sua própria história contada na segunda temporada da série, caso a emissora queira que seja uma série]

este homem vence um câncer e enfrenta um processo kafkiano em que juízes de parte da elite que o odeia e odeia os pobres que o amam lhe acusam sem provas de crime de corrupção; este HOMEM É COMO O BOM VINHO: melhora com o tempo!

*

O segundo homem vive, no interior de Pernambuco, as agruras de ser uma criança gay

[podemos usar o termo criança viada, para provocar a audiência conservadora]

Vítima de homofobia, inclusive na forma do estupro, muda-se para o Sudeste do país, Rio de Janeiro, onde dará seus primeiros passos como jornalista e escritor; vive na Lapa deteriorada e ainda não gentrificada;

[podemos tratar o tema da gentrificação das cidades turísticas como marketing social da novela ou série]

aí, conhece os marginais que, apesar de toda dor que os invade, são a alegria da cidade; por ser criativo e provocador, candidata-se à ABL com apenas um livro escrito; homossexual assumido, planta, com outros intelectuais gays, as primeiras sementes do que hoje chamamos movimento LGBT,

[do qual, no futuro, torna-se inimigo; mas só contaremos essa história caso seja uma série com duas temporadas]

criando o primeiro jornal feito por e para homossexuais; é preso pela ditadura militar em Ilha Grande, onde também sofre homofobia; liberto, de jornalista de polícia, passa a ser dramaturgo, aprendendo quase tudo com o grande mestre Dias Gomes, também ferrenho opositor da ditadura militar; transforma-se em colaborador de roteiros de cinema e logo se transforma em autor de telenovelas; talentoso, leva para a teledramaturgia a cara e os temas do povo brasileiro, como escolas de samba e bicheiros; escreve ao lado de um colega igualmente talentoso a novela de maior sucesso da tevê e, a partir daí, não conhece fracassos na profissão, apesar de algumas acusações de plágio; cada vez mais rico, com imóveis espalhados pelo Brasil e pelo velho continente, o homem perde qualquer identificação com o povo, com a gente simples e lutadora, tomando esta apenas como elementos de sua teledramaturgia, cada vez mais caricatural e sem a criatividade de antes; passa a gastar seu tempo atacando colegas e pessoas proeminentes nas redes sociais, com um esnobismo típico dos vilões de suas histórias; mas, principalmente, desenvolve pelo primeiro homem – aquele que se tornou presidente da República – um ódio aparentemente desmotivado, uma inveja desmedida; fará de tudo para impedi-lo de voltar à presidência, até mesmo usar a acusação tosca de que o primeiro homem nunca lera um livro; este homem homossexual que começa nossa história como um herói é COMO OS VINHOS RUINS, que, com o tempo, VIRAM VINAGRE.

A história poderá redimir o Vinagre. E salvar o Vinho. Mas podemos dar um final como o de Vale Tudo, em que meia dúzia de pobres vão para a cadeia e os ricos ficam impunes. Tudo vai depender da audiência.

Aguinaldo Silva