Madonna deveria parar de salvar os africanos

Atualizado em 12 de abril de 2013 às 19:15

Quem ganha com a benemerência de celebridades na África? Uma dica: não são os africanos.

 

Bonito
Bonito

 

Em 2006, alguém do time de marketing de Madonna teve uma brilhante ideia: por que ela não adotava duas crianças do Malaui, ex-colônia britânica no sudeste da África, e salvava aqueles pobres diabos de seu destino? Afinal, Angelina Jolie havia feito isso com um pequeno cambojano, um vietnamita e um etíope. “Vai pegar bem para sua imagem!”, disse alguém.

Madonna adotou dois meninos e resolveu investir em alguns projetos no país, através de uma fundação. Um deles era uma academia de elite para garotas, que custaria 15 milhões de dólares. A academia nunca aconteceu e outras escolas prometidas não saíram do chão. Batata.

Agora, o governo do Malaui resolveu tirar sua relação com a popstar do armário. Depois que ela reclamou da “falta de atenção dos governantes”, um comunicado oficial contou como são suas visitas benemerentes. “Madonna é uma artista que pensa desesperadamente que deve ser reconhecida e, para tanto, maltrata funcionários, ao invés de cantar decentemente no palco”; ela espera que o governo “estenda um tapete vermelho e dê uma salva de tiros em seu nome”; “acha que merece ser tratada com honras de estado” (em sua última viagem, ela ficou revoltada porque sua entourage teve de pegar a fila comum de passageiros, e não uma especial, na hora de embarcar no jato de volta aos EUA).

Não dá para duvidar das intenções de Madonna. Devem ser boas. Mas ela não é a grande esperança branca dos selvagens, uma evangelista do ocidente numa missão divina. Cada uma de suas passagens pelo Malaui tem uma cobertura enorme da mídia e fotos suas varrem o mundo.

Muitas estrelas estão envolvidas em jogadas desse gênero. É ótimo para elas, que ganham humanidade e simpatia, mas nunca se ouviu falar de um só país que tenha dado um passo para fora da miséria por causa disso. Não há transparência sobre o destino do dinheiro, quando ele existe. O Concerto para Bangladesh, de 1971, rendeu 243 milhões de dólares. Catorze anos depois, Bangladesh recebeu 12 milhões. Em 1985, o Live Aid reuniu mais de 40 artistas e bandas em dois shows em prol dos famintos da Etiópia. A ideia foi de Bob Geldof, líder de uma banda de segunda linha chamada Boomtown Rats, que saiu brevemente da obscuridade. A Etiópia, desde então, continua onde sempre esteve – e Geldof também (eu sei, Phil Collins tocou, mas é injusto culpá-lo sozinho).

“Eu não serei desencorajada pelas agendas políticas de outras pessoas”, disse Madonna. “Fiz uma promessa para as crianças e vou mantê-la”. O Malaui é a nação africana mais densamente populada e uma das menos desenvolvidas, com pelos menos metade de seus 16 milhões de habitantes vivendo com menos de 2 dólares por dia.

No livro Dead Aid, a economista Dambisa Moyo contou de uma festa em que esteve para levantar fundos para a África: “Não havia africanos na sala, exceto por mim… Essa dependência de celebridades é ruim. Inadvertidamente, ou através de manipulação, eles se tornaram porta-vozes do continente”.

Madonna faria melhor se parasse de usar playback, como diz o velho Elton John.