Marta, Lula, Mercadante, Rui e o Hotel dos Estrangeiros

Atualizado em 13 de janeiro de 2015 às 22:45
Je suis Marta
Je suis Marta

O Hotel dos Estrangeiros foi quase um símbolo da República Velha (1889-1930) e um dos endereços do poder das oligarquias, nos tempos em que o Rio de Janeiro era a capital federal.

Situado no bairro do Catete, era assim descrito em um anúncio no “Rio News”, em 1900 (originalmente em inglês): “Situa-se na melhor parte da cidade, recebendo ar e luz por todos os lados, próximo à mais limpa praia da cidade e cercado por um grande jardim. (…) Possui ainda suntuosos salões, e serviço de mesa esplendidos para banquetes. O restaurante e os serviços não podem ser superados”.

A fina flor da jovem República reunia-se ali para conchavos, acordos, acertos e negociatas, longe do burburinho das ruas.

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Pois os salões do Hotel dos Estrangeiros me vieram à cabeça ao ler a trepidante entrevista da senadora Marta Suplicy ao jornal ‘O Estado de S. Paulo’.

Suas falas poderiam estar na boca de um Pinheiro Machado ou de um Campos Salles.

Para Marta, na política, existem as grandes personalidades. Em primeiro lugar está ela, obviamente. Em seguida, podem desfilar Lula, Dilma, Rui Falcão, Mercadante e outras cabeças coroadas.

E existe o pessoal da alta roda, com firme presença em suas formulações.

Não existe povo, não existe opinião pública, não existem trabalhadores.

Mas essa não é – ao que tudo indica – opinião apenas da ex-prefeita de São Paulo. Ela apenas vocaliza o que parece ser a maneira de agir de boa parte da direção petista. A favor de Marta, cite-se sua grande sinceridade.

Com o povo, lidam os marqueteiros.

Melhor ler a representante do clã Smith de Vasconcellos, seu sobrenome de batismo, do que comentar sobre ela.

Aqui vão alguns exemplos: “Em meados de 2003, os desmandos aconteciam e a economia ia de mal a pior. Foi aí que disse ao Lula: “Presidente, está acontecendo uma coisa muito séria. (…) Conversamos a primeira, a segunda , a terceira e a quarta vez… E ele dizia: ‘É verdade, estou conversando com ela [Dilma], mas não adianta, ela não ouve’. A coisa foi piorando e, um dia, ele disse: ‘Os empresários estão se desgarrando…’ E perguntou se eu podia ajudar e organizei um jantar na minha casa, já no início de 2014, com os 30 PIBs paulistas. Foi do Lázaro Brandão a quem você quiser imaginar. E fizeram muitas críticas à política econômica e ao jeito da presidente. Ele não se fez de rogado, entrou nas críticas, disse que isso era isso mesmo. Naquele jeito do Lula, né? Quando o jantar acabou, todos estavam satisfeitíssimos com ele”.

“30 PIBs paulistas”, convenhamos, é ótimo!

Tem mais: “Um dia, o Lula, no avião dele, quando era presidente, me disse: “Minha sucessora vai ser uma mulher’. E pensei que ou seria eu, ou a Marina (Silva) ou Dilma”.

Por fim, para que não pairem dúvidas: “[A equipe econômica] É experiente e qualificada”.

Marta faria bom papel nos salões do Hotel dos Estrangeiros, em seus julgamentos e conversas com grandes vultos da vida nacional.

Exceto por um pequeno detalhe. Há cem anos, mulheres não votavam e nem eram votadas. Conquistaram essa prerrogativa na Revolução de 1930. Mas essa é outra história.

O Hotel dos Estrangeiros foi demolido em 1950.

Ele tem alguma coisa a ver com o Hotel Overlook.

Para quem não se lembra, é o empreendimento em que Jack Torrance – personagem vivido por Jack Nicholson – é contratado para tomar conta durante o inverno. No filme ‘O iluminado’, de Stanley Kubrick, os fantasmas de seus hóspedes volta e meia aparecem para aterrorizar a todos.

Os personagens do Hotel dos Estrangeiros são mais ou menos assim.

Volta e meia reencarnam aqui e ali.