Meus dias em meio ao caos no Espírito Santo. Por Sacramento

Atualizado em 9 de fevereiro de 2017 às 6:41

exercito vitória

 

A violência urbana nunca foi o meu temor número um, talvez pela sorte de jamais ter presenciado tiroteios, sofrido assaltos ou abordagens truculentas da polícia.

Depois da paralisação da Polícia Militar iniciada no último sábado (04) no Espírito Santo, meu estado mental mudou. Passei a me preocupar com a possibilidade de invadirem o prédio onde moro ou de enfrentar algum perigo andando na rua.

Com a PM aquartelada a criminalidade explodiu na Grande Vitória e em algumas cidades do interior, na forma de arrombamentos, saques, roubos à mão armada e assassinatos.

As notícias de barbárie se espalharam pelo Whatsapp e Facebook. Primeiro arrastões e assaltos. Depois relatos de tiroteios. Logo surgiram imagens de corpos. Não demorou e vieram cenas de execuções de suspeitos de roubo.

Os mais de 90 homicídios registrados entre o sábado e esta quarta-feira (08) levaram o Departamento Médico Legal à superlotação. Para piorar o que era péssimo, criminosos roubaram 36 kg de explosivos de uma pedreira.

Este clima de insegurança enclausurou a população em suas casas. Ônibus deixaram de circular, escolas, universidades, repartições públicas, unidades de saúde, bares, lojas e shoppings fecharam as portas.

Evita-se sair, a não ser por necessidade inadiável. Profissionais liberais, autônomos e pequenos comerciantes se angustiam a cada dia que passa sem que possam trabalhar.

A única movimentação acontece nos supermercados, sempre lotados por causa do horário de funcionamento reduzido e da incerteza quanto aos próximos dias que leva a população a estocar alimentos em casa.

Tirando isso, há pouco movimento nas ruas. Regiões normalmente agitadas durante a semana estão vazias e silenciosas como em dias de jogo do Brasil na Copa do Mundo. A atmosfera, contudo, é pesada, tensa.

Senti isso quando saí rapidamente à tarde para ir à farmácia. Primeiro um medo incomum ao sair de carro da garagem do prédio, embora nada de anormal tenha acontecido na minha rua até agora.

A esse medo se juntou o desconforto de perceber olhares desconfiados em minha direção, sinal de que as coisas não estão fáceis para quem tem os traços físicos do suspeito padrão.

Apesar de tudo, minhas angústias soam até mesquinhas se comparadas às de amigos e conhecidos que vivenciaram medos mais concretos, como barulho de disparos à luz do dia e tentativa de invasão de residência de madrugada.

Da minha prisão domiciliar em um condomínio relativamente seguro e com acesso a wi-fi, consigo apenas me compadecer com quem está mais vulnerável. É impossível, para mim, imaginar o pavor de ser atingido por uma bala perdida ou o tormento de precisar ir à padaria com um bebê de colo.

Sinto um medo que vem por procuração, por meio de vídeos e áudios do Whatsapp. Forte o suficiente, porém, para me manter encarcerado em meio ao caos da Grande Vitória.