Moro, vossa excelência é um herói no Brasil. Só não sei até onde isso é bom. Por Tico Santa Cruz

Atualizado em 14 de julho de 2017 às 16:43

Publicado no Intercept.

POR TICO SANTA CRUZ

Moro,

O senhor deveria ser apenas juiz, mas o senhor se tornou um herói. Heróis fazem justiçamento, juízes fazem justiça. Entende a questão?

Comecei a desconfiar de que o senhor havia deixado de ser juiz para ser herói quando começou a falar para fãs e não para a sociedade.

Tudo bem ter admiradores. Admirador admira, enxerga erros e acertos. O fã não, ele acredita que seu herói nunca falha. Isso mexe com a vaidade, e vaidade é um perigo.

E que fotos são aquelas com aquele monte de políticos do PSDB? Sempre sorrindo, pertinho, simpático, convidativo. Arrisco-me a dizer que parecem amigos, daqueles que se sentem confortáveis ao serem fotografados, como se tivessem orgulho um do outro. Isso me soa estranho, Moro.

Um juiz pode ter amigos, mas quando opta por ser juiz e está inserido dentro de um ambiente de conflitos, grandes interesses, guerra política, me parece um pouco imoral se exibir ao lado de um grupo político cujo seus principais personagens estão completamente envolvidos com casos semelhantes aos que o senhor está julgando ou poderia vir a julgar.

Imagina se as fotos fossem com integrantes do PT? Não seria extremamente execrável?

Fico constrangido. Como confiar diante de tamanha intimidade?

Num momento tão delicado, um juiz preocupado, que não se deixou seduzir, jamais participaria de um evento não oficial, de uma revista que tem por objetivo homenagear “personalidades importantes” e oferecer por exemplo Michel Temer como “homem do ano”. Não lhe bateu nenhum constrangimento com isso? Mandasse um representante…

Nessa mesma festa o senhor aparece trocando risadinhas com Aécio Neves – senador gravado em áudios comprometedores que, como o senhor sabe, sempre esteve metido em maracutaias políticas, porque o senhor tem ciência de que o sistema político elegeu grande parte de suas autoridades com dinheiro ilegal. Isso é do conhecimento de qualquer brasileiro mediano. Mesmo assim, não fez questão de se resguardar.

Eu queria que o senhor fosse apenas um bom juiz. Discreto e eficiente. Que, ao condenar uma figura tão simbólica (para o bem ou para o mal), não nos deixasse dúvidas de que a justiça estavivesse sendo feita. Para acabar de vez com toda essa loucura que virou o Brasil. Mas do jeito que foi feito, só fomentou mais essa polarização caótica, horrível.

Um juiz a meu ver precisa, acima de tudo, oferecer a sensação de imparcialidade, mesmo que não seja em seu íntimo. E sendo bem sincero, desculpe-me, isso o senhor nunca fez questão de passar.

O fato é que vossa excelência desfruta da simpatia de uma legião de indignados, guiados pelo sentimento de vingança. Não estou aqui pra ser advogado de defesa de ninguém. Só fiquei com a sensação de que sua última decisão foi motivada pelo herói. Por alguém que almeja um lugar na História do Brasil. Não pelo juiz.

Só que o Brasil  guarda muitos altares e purgatórios, e aqui se vai do céu ao inferno antes de sentir o gosto das nuvens.

Eu me sentiria mais seguro e representado, se estivéssemos assistindo a um julgamento justo, onde consta o Ministério Público versus o Réu, e não o juiz versus  o réu. Sem prisões coercitivas desnecessárias e ironias.

Então, caro Moro, se existem provas robustas, por que não prender o condenado? Prenda! Faça valer sua sentença com a segurança de quem tem como bancar o que assinou. A Justiça não lhe permite?

Estou aqui para dizer que preferia que Sergio Moro fosse apenas o Juiz, mas o senhor escolheu ser herói e heróis são frutos de sociedades decadentes, doentes,  repletas de pessoas confusas e desiludidas. É triste precisarmos de heróis.

Certamente o senhor verá meu nome ser massacrado por seus fãs. Contudo, insisto! Precisamos de juízes, de políticos comprometidos com o povo e não com corporações; de policiais bem treinados e conscientes de que não somos seus inimigos.

Estamos do mesmo lado, sendo explorados da mesma forma. Precisamos de médicos humanizados, de professores bem pagos e motivados e de um Estado que atua pelo cidadão e não para beneficiar meia dúzia de famílias e empresas ou bancos.

E quando eu vejo a chance de mudar o sistema de verdade se tornar parte desse mesmo sistema para inclusive fazer a manutenção dele, me dá um aperto no coração.

É isso, Moro. Vossa excelência é um herói no Brasil. Só não sei até onde isso é bom, inclusive para ti.

Vão dizer que estou “defendendo bandido”, mas só queria ter certeza de que a justiça está realmente sendo feita.