Não é o jogo da baleia azul que está matando os adolescentes, é nossa insensibilidade. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 19 de abril de 2017 às 16:37

 

O suicídio já mata mais que homicídios, desastres e HIV em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Isso quer dizer que o seu assassino mais provável é você mesmo.

Entre os jovens, a incidência é maior: Na faixa etária de 15 a 29 anos, apenas acidentes de trânsito superam o suicídio. Neste grupo, as mais afetadas são as mulheres (não por acaso, o gênero que é treinado para a dependência emocional).

Sintomaticamente, o jogo da Baleia Azul é viral. São 50 desafios que envolvem automutilação e atividades arriscadas em geral. O último desafio é tirar a própria vida: só assim, eles dizem, você ganha o jogo.

“Ganhar o jogo”, para muitos de nossos adolescentes, é se livrar da obrigação de continuar vivendo – e se isso não te choca, bem, eu desisto.

Por que, afinal, é mais provável que as pessoas queiram se matar quando são jovens?

Porque os velhos já se conformaram.

Quanto mais jovem se é, mais coisas são uma questão de vida ou morte. Quando se é jovem, absolutamente tudo parece irreversível.

Na adolescência, então, é sempre tudo ou nada, então não é exatamente estranho querer abandonar um mundo que não te entende e, sobretudo, um mundo que você também não entende.

Deve ter acontecido na sua família. Ou na família de um amigo. Ou com o amigo de um amigo. Ou com o próprio amigo. Não é difícil que você conheça uma história de suicídio ou de tentativa de suicídio: acontece todo dia.

Aconteceu comigo. Na época, morri de vergonha. A única frustração foi não ter conseguido – porque eu não tinha medo de morrer, eu tinha medo de viver.

Disseram que eu só queria chamar atenção. Era falta de Deus. Falta de amor. Falta de porrada. Na verdade, não era nada disso: era depressão. E se eu não tivesse uma família e amigos que compreendem a depressão – compreendiam mesmo antes de 13 reasons why, por exemplo – talvez eu nem estivesse aqui.

Talvez eu nem tivesse descoberto que as prioridades mudam, o sol abre novamente, os anos passam e doenças psíquicas são perfeitamente – embora não facilmente – tratáveis.

Talvez eu nunca tivesse saído daquela fase em que você desiste facilmente porque afinal não há muitas razões para não desistir: você ainda não tem quase nada, você ainda não sabe quase nada, você ainda não é quase nada – e a vida te bate mesmo assim.

A questão do suicídio (entre os adolescentes, sobretudo) é urgente e inadiável. Não dá mais para trata-la como piada, embora tantos insistam. O jogo da baleia azul não é o problema: é apenas uma parte ínfima – quase desprezível – do problema.

Aliás, encaremos os fatos: o problema é que somos uma geração fodida (e enquanto não houver uma verdadeira mudança de paradigmas, as próximas gerações serão cada vez mais fodidas).

A nossa geração ainda se importa pouco com doenças psíquicas, ainda trata como loucos os psicoatípicos, comove-se  com uma série bem feita mas é incapaz de se comover perante o sofrimento dos outros – o sofrimento real.

A nossa geração tem desaprendido muito sobre amor e compreensão: amar é, cada vez mais, para os fracos. Mães e pais despreparados estão, cada vez mais, surtando – por não saberem o que fazer, berram ou simplesmente ignoram.

O que antes eram paixões adolescentes fulminantes, agora são crushes: o bom e velho amor platônico com uma nova roupagem.

Vivemos tempos em que todo mundo tem a obrigação tácita de querer pouco ou nada, todo mundo tem que se bastar, ir em frente, ignorar as próprias dores, se valer sozinho.

Para uma geração que quase vive virtualmente, é pedir demais. A conta não bate.

Há – e que haja! – quem me acuse de exagerada e conspiracionista, mas não é sintomático que, justo nessa geração desapegada, bem-resolvida e feliz sob os filtros do Instagram, a Netflix seja um sucesso absoluto?

Não é sintomático, no mínimo, que a juventude do século XXI esteja trancada em casa maratonando séries no sábado à noite porque já não tem paciência (ou habilidade, nunca saberemos) para relações interpessoais?

Não é sintomático, sobretudo, que a série mais assistida da história da Netflix seja justamente uma série sobre suicídio?

Os nossos jovens estão se suicidando, e cada vez mais, porque a gente não presta atenção neles. A gente também não presta atenção na gente. Estamos preocupados em fazer piada de suicídio na internet e, quem sabe, ganhar uns likes. Na geração dos egos inflados, não sobra espaço pra mais nada.

Não é o desafio da baleia azul que está matando os nossos adolescentes. É a nossa insensibilidade.