“Não foi tão difícil”: a história de uma jovem com microcefalia

Atualizado em 30 de janeiro de 2016 às 16:03
Ana Carolina Dias Cáceres
Ana Carolina Dias Cáceres

Publicado na DW.

 

O livro-reportagem Selfie: em meu autorretrato, a microcefalia é diferença e motivação resume como Ana Carolina Dias Cáceres, de 25 anos, venceu os obstáculos da doença. Escrito em primeira pessoa pela jovem mato-grossense, ele dá voz à autossuperação e às histórias de outras cinco pessoas com microcefalia.

A história que mais tocou Ana Carolina, recém formada em jornalismo, é a de Lucas Somma, de 26 anos, que acabou de entrar na universidade e, assim como ela, é apaixonado por música. “A história dele é um pouco parecida com a minha. O médico disse para a mãe dele o mesmo que falaram para a minha: que eu não iria sobreviver”, diz.

“Eu tenho 25 anos. Conheço muita gente com microcefalia que tem 30, 40 anos e trabalha, tem uma formação. Eu sou uma prova viva de que essa doença ‘não é tudo isso’.”

O diagnóstico veio em 9 de março de 1991, logo depois do parto. Ana Carolina tinha 32 centímetros de perímetro craniano, nível máximo para determinar a microcefalia, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela desenvolveu a doença por circunstâncias genéticas.

No nono dia de vida, ela passava pela primeira cirurgia para corrigir um afundamento na face. Teve duas paradas cardíacas e precisou de transfusão de sangue. Os níveis de calcificação do crânio eram muito altos.

“Pelo menos a cada um ou dois anos eu tive que fazer a cirurgia de novo para tirar mais uma parte do crânio até que o cérebro se desenvolvesse totalmente”, relata. Foram cinco cirurgias, a última aos 13 anos. “Nesse processo, tive convulsões e, por isso, tive que tomar muitos remédios controlados.”

Ana Carolina passou por fisioterapeutas, psicólogos e fez acompanhamento intensivo com um neurocirurgião. Ela não sofreu danos cerebrais, assim como muitos outros pacientes com microcefalia. “Eu só tive que ter muito cuidado para não cair, porque eu não tenho cobertura óssea suficiente na testa.”

Na escola, o único impedimento foi participar das aulas de educação física. “Fora isso, eu não tive nenhum problema de aprendizado. Então não foi tão difícil”, diz. Ana se formou em jornalismo em dezembro de 2015 e está à procura de emprego. Ela canta em corais desde os 7 anos e toca violino. Com o fim das cirurgias, vai ao médico apenas uma vez por ano para fazer o acompanhamento.

Contra o aborto

Ana Carolina mantém um blog. Assustada com a notícia de que um grupo move uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para permitir o aborto de fetos com microcefalia, a jovem desabafou.

“O aborto é apenas remediar a situação. Crianças com microcefalia continuarão nascendo, e o tratamento continuará sendo insuficiente para atender as necessidades desses indivíduos. Logo, por que não aproveitar para investir e melhorar o atendimento na saúde em vez de tratar superficialmente o assunto?”, escreveu.

“O próprio governo falha em informar a população sobre o que é microcefalia. Tem muita criança com a doença que brinca, se forma e faz de tudo. E elas têm orgulho de ser como são”, afirmou em entrevista à DW Brasil.

Diariamente, Ana Carolina também lida com o preconceito. “Eu tenho uma cicatriz no meio da testa, por causa de complicações para a colocação de uma prótese, e minha fisionomia também não é totalmente simétrica”, relata. “As pessoas ficam olhando… E falo para elas perguntarem. Quando digo que é microcefalia, elas se assustam. Tenho que contar toda a minha vida.”

O trabalho de conclusão de curso, um livro-reportagem sobre sua própria história e de outras pessoas com microcefalia, é uma tentativa de disseminar informações sobre a doença, que na opinião dela, são “muito escassas” no Brasil.

A conclusão do livro é clara: “Não importa a barreira que tenhamos que quebrar, somos capazes. Uma dose de vontade e tudo é possível. Até mesmo de surpreender aqueles que um dia disseram que não seríamos capazes de fazer qualquer coisa por sermos diferentes dos demais”.