“Não se engane: não existe livre mercado”: as confissões de um banqueiro arrependido

Atualizado em 20 de maio de 2014 às 15:00
Rainer Voss
Rainer Voss

Publicado originalmente no Unisinos.

 

O arranha-céu está vazio. Em uma sala transparente, um homem se aproxima de uma grande janela, da qual se vê outros edifícios que compõem o distrito financeiro de Frankfurt.

O homem vira: “Em uma sala como esta, um lugar sagrado, uma ‘trade room’, caberia uma centena de ‘brokers’”. Assim se inicia o documentário ‘Master of universe’, o ‘Eu confesso’ de Rainer Voss, executivo de um banco. Um homem que diante de uma câmara conta – sem dizer nomes, nem concretizar dados, para não quebrar a cara – como veio a crise financeira de um ponto de vista único: o de um poderoso trabalhador de um banco de investimentos.

‘Master of universe’ foi apresentado em ‘Documenta Madrid’ há duas semanas, e Voss apresentou suas sessões. O alemão deixou o banco em 2008 (após quase 20 anos de trabalho), quando em seu último emprego – não diz o banco, mas um passeio pela Internet esclarece que foi o Deustche Bank – acabaram-lhe arruinando a vida.

Voss, que agora tem 55 anos, não é um radical, acredita no capitalismo, nos mercados de valores, gosta de ganhar dinheiro. “O que me enfurece é no que o sistema se converteu. Perverteu-se”.

Ele conta que em seu primeiro dia de trabalho, como trader, ganhou mais do que o seu pai engenheiro poupou em toda a sua carreira. Que em poucos dias fez a sua empresa ganhar muitos milhões de euros. “Meu trabalho? Vamos ver. Primeiro vem o Conselho de Administração, em seguida, um primeiro anel ou escalão, e depois um segundo: aí estava eu”.

E começa a recordar sua vida e analisar a crise de forma iluminadora: “Criamos inovações financeiras. Conseguimos fazer com que a economia real se subordinasse à financeira. E, sobretudo, desregularizou-se o mercado. Não se engane: não existe o livre mercado. A crise é culpada pela desregularização? Não. É um pré-requisito? Claro”.

Voss ganhou muito dinheiro. Aprendeu inglês – hoje fala fluentemente -, comprou uma casa de verão na Catalunha, deixou de ver a sua família, dormia no escritório. “Não existe o mundo exterior. Você sai de férias com companheiros, sai para festa com eles. De casa para o trabalho de carro”. E seguia acumulando lucros: “É fácil ganhar muito dinheiro com minúsculos movimentos de preços. Se você tem milhões de euros à sua disposição para investir, precisa apenas que o preço varie 0,0001% para obter grandes benefícios”.

Na pirâmide alimentícia mercantil, empresas como Siemens ou Volkswagen são mais rápidas do que um banco. E abaixo delas estão as companhias intermediárias, os governos locais e os investidores privados. Há um velho ditado nas bolsas: os investidores privados sempre perdem. Às vezes ganham, mas é como jogar roleta. E recorda: “Há duas décadas, uma ação ficava uns quatro anos nas mãos de seu dono. Hoje a média é de 22 segundos”.