Nem rei, nem nada: por que esqueceram de nós no Espírito Santo?

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:22

espírito santo

 

Há um silêncio pesado no ar. Enquanto o Espírito Santo é castigado por chuvas que deixaram mais de 60 mil desabrigados ou desalojados e matou 23 pessoas, um dos seus filhos mais ilustres, o Rei Roberto Carlos, não fez nenhum pronunciamento em solidariedade às vítimas.

A calamidade começou há pouco mais de 10 dias. As chuvas comuns nessa época do ano vieram, foram chegando e não cessaram. O que se viu depois foi uma sucessão de cenas tristes e patéticas. Bairros que nunca alagaram antes foram tomados pelas águas, pontes desapareceram e crateras interditaram rodovias importantes, dificultando o atendimento às vítimas. Alguns locais não tem nem pasto para helicóptero pousar. Uma das coisas mais tristes foi ver, em plena véspera de Natal, pessoas catando provisões enlameadas nos escombros de um supermercado atingido pela enchente.

Pelas redes sociais, a ação conjunta de bombeiros, Defesa Civil  e ativistas da Mídia Ninja davam alertas sobre o nível de rios e ameaça de rompimento de diques.

A omissão do poder público foi personificada pelo prefeito de Vila Velha, cidade da região metropolitana que abriga o Convento da Penha, principal ponto turístico do Estado. Ele viajou para Nova York com a família no dia 19, um dia depois do aumento das chuvas. Pressionado pela opinião pública, retornou três dias depois.

Com a mesma intensidade das chuvas formou-se uma eficiente rede de solidariedade para arrecadar mantimentos, colchões, remédios e dinheiro. Voluntários estão se revezando nas bases da Defesa Civil para separar os donativos e carregar os caminhões que os levarão até os necessitados.

Ainda assim, o assunto demorou a aparecer em rede nacional. Ganhou mais destaque depois da visita da presidente Dilma Rousseff, a primeira dela ao Estado.  Desembarcou no dia 24, pela manhã, fez uma rápida reunião com o governador no aeroporto mesmo e depois um sobrevoo de 40 minutos por algumas cidades afetadas. Sem sair do aeroporto, embarcou no jato presidencial e foi embora.

A postura blasé da presidente não pegou bem. Postagens com os dizeres “só o povo salva o povo’ inundaram as redes sociais. Surgiram até postagens bairristas e com viés separatista, dizendo que “só os capixabas salvam os capixabas”, aludindo à mobilização dos voluntários e ao escasso investimento federal recebido pelo Estado nos últimos anos.

Ok, o povo salva o povo. É só ir a um abrigo no Espírito Santo para constatar. Agora, dizer que capixabas salvam capixabas é balela. Basta ver a atitude de Roberto Carlos.

Não houve nenhuma postagem no twitter ou atualização no facebook alusiva à tragédia. Na página oficial há uma mensagem de Natal capenga e notícias chamando para o especial da Globo. O que chega mais perto de um dilúvio é a agenda do Projeto Emoções em Alto Mar, a.k.a Cruzeiro do Rei.

Roberto Carlos é um mito, querido e idolatrado em todo o Brasil por homens e mulheres de várias idades e classes sociais. Uma simples manifestação iria inflamar ainda mais a vibrante rede de solidariedade em apoio ao flagelados. Algo banal, como a divulgação nas redes sociais dos números das contas bancárias para doações teria um bom impacto.

Mas até o momento em que escrevo este texto não vi uma linha na corte virtual do Rei Roberto a respeito do maior desastre climático do Espírito Santo.

O Tio Ben, da história do Homem Aranha, falou ao sobrinho aracnídeo que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Roberto não voa nem solta raios, mas tem o poder de tocar na alma dos seus súditos. Alguém que fala intimamente com tanta gente não pode se omitir diante das catástrofes alheias.

Na música “Super-herói” o Rei canta: “quando você precisar, alguma coisa de mim, é só me telefonar, que eu irei correndo”.  Ele nem precisaria sair correndo pela madrugada para ajudar seus conterrâneos arruinados pelas chuvas.