Nexo: como Serra e obras de seu governo em SP aparecem na Lava Jato

Atualizado em 17 de novembro de 2016 às 17:15
"Deixa que eu toco sozinho!"
“Deixa que eu toco sozinho!”

Publicado no Nexo.

Por Lilian Venturini
A Lava Jato tem dado passos que aproximam o ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), de desdobramentos das investigações feitas pela operação.

Apurações revelam referências à campanha eleitoral de 2010, quando ele concorreu à Presidência, e a contratos de obras celebrados ou executados em sua gestão como governador de São Paulo (2007-2010).

Até o momento, depoimentos e documentos apreendidos pela força-tarefa levantam suspeitas que atingem o tucano de forma indireta. Serra não é, até o momento, investigado formalmente.

Nomeado ministro pelo presidente Michel Temer, o tucano fazia oposição ao governo federal quando a Lava Jato começou suas investigações, em março de 2014.

A operação apura fraudes em contratos ligados à Petrobras, especialmente durante os mandatos presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

As mesmas empreiteiras da Lava Jato, porém, mantêm contratos com governos estaduais, entre eles São Paulo. Dessa forma, a operação acabou esbarrando em suspeitas no âmbito regional, além de suspeitas ligadas a financiamentos de campanha dos mais diversos partidos.

Circunstâncias em que Serra aparece

As referências à campanha e ao governo do tucano vêm à tona no momento em que duas das principais empreiteiras investigadas pela Lava Jato, a OAS e a Odebrecht, negociavam acordos de delação premiada.

Lista da Odebrecht

Os primeiros registros com referências ao ministro surgiram em março, quando foram reveladas planilhas apreendidas pela Polícia Federal na casa de um ex-executivo da Odebrecht.

A relação trazia o nome de ao menos 300 políticos, entre eles o de Serra, filiados a 24 partidos, que receberam dinheiro da empreiteira, segundo a força-tarefa. Até aquele momento, a Lava Jato não antecipava se as doações eram legais ou não.

Por envolver pessoas com foro privilegiado, a relação foi encaminhada ao Supremo, onde estão os inquéritos contra parlamentares, ainda em andamento. Quando a planilha foi revelada, os citados disseram que as doações recebidas da empreiteira foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral.

Depoimento de dono da OAS

Em junho, são reveladas pela “Folha de S.Paulo” informações preliminares sobre a negociação da delação premiada da OAS. Serra era um entre quase uma centena de políticos sobre os quais representantes da empreiteira diziam ter registros de contribuições irregulares.

Três meses depois, um relatório da Lava Jato trouxe outras informações que ligavam a empreiteira ao governo Serra. Segundo reportagem de “O Globo”, o dono da OAS, Léo Pinheiro, disse ter pago R$ 4,8 milhões em propinas, em troca de contratos firmados com Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) para cuidar do lote 5 do Rodoanel Sul.

O negócio foi fechado em abril 2006, na gestão Claudio Lembo (PSD), mas o pagamento da propina, segundo Pinheiro, ocorreu durante a execução do contrato, quando Serra era o governador.

A delação de Pinheiro, no entanto, foi suspensa pela Procuradoria-Geral da República após o vazamento de informações de interesse da defesa, o que teria causado uma quebra de confiança entre autoridades públicas e delator.

O que diz Serra

O relatório da PF foi revelado pelo jornal “O Globo”. À publicação, Serra afirmou desconhecer a denúncia e que o contrato e a obra foram iniciados em gestão anterior à dele.

Odebrecht e campanha de 2010

Em agosto, executivos da empreiteira afirmaram à força-tarefa que a campanha de Serra à presidência, em 2010, recebeu R$ 23 milhões por meio de caixa dois, dinheiro não declarado à Justiça Eleitoral.

Os executivos afirmaram que a negociação não foi feita com Serra, mas com a direção nacional do PSDB, que redistribuiria o dinheiro às candidaturas da legenda. Oficialmente, a empresa doou R$ 2,4 milhões ao comitê nacional da campanha de Serra, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral da época.

Em outubro, a Odebrecht apresentou nomes e documentos à Lava Jato com detalhes de como o repasse ocorreu, segundo reportagem da “Folha de S.Paulo”. Parte do dinheiro foi transferida a uma conta na Suíça após negociações com os ex-deputados federais Ronaldo Cezar Coelho (ex-PSDB, atual PSD) e Márcio Fortes (PSDB-RJ), próximos de Serra. Coelho fez parte da coordenação da campanha.

A delação desses executivos ainda não foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal, exigência para o depoimento ter valor legal. Somente após isso investigadores avaliam se o conteúdo deve ter andamento e, se for caso, ser encaminhado ao Supremo.

O que diz Serra

À “Folha”, o ministro afirmou disse que não se pronunciaria sobre “supostos vazamentos de supostas delações”. Ele reiterou que não cometeu irregularidades em sua campanha e que as finanças eram de responsabilidade do partido. Coelho, um dos ex-deputados citados, disse que não arrecadou doações para a campanha de Serra. Fortes não comentou o caso.

Desvios em obra da marginal do Tietê

Na quarta-feira (16), segundo reportagem de “O Estado de S.Paulo”, o Ministério Público Federal começou a investigar suspeitas de fraudes em contratos de obras de ampliação da marginal do Tietê, na capital, que chegam a R$ 89,5 milhões.

O repasse desse valor envolve empreiteiras de dois consórcios que executaram obras de ampliação da marginal do Tietê. As obras ocorreram entre 2009 e 2011, mas o projeto foi anunciado quando Serra ainda era prefeito de São Paulo (2005-2006). O consórcio foi firmado quando ele era governador, em parceria com o então prefeito Gilberto Kassab (PSD), atual ministro de Ciência e Tecnologia.

Os procuradores suspeitam de irregularidades porque os repasses envolveram empresas ligadas ao lobista Adir Assad e ao advogado Rodrigo Tacla Duran, alvos da 36ª fase da Lava Jato. Duran está foragido e Assad está preso desde agosto.

Caso a força-tarefa confirme as suspeitas de que os repasses são irregulares, o caso será encaminhado à Procuradoria da República em São Paulo.

Em outra frente de investigação, suspeitas envolvendo obras da marginal foram denunciadas em janeiro pela promotoria paulista e estão sob análise da 14ª Vara Criminal de São Paulo, mas não atinge agentes políticos nem servidores públicos, somente executivos ligados a empresas envolvidas com a obra.

O que Serra diz

Ao “Estado”, Serra disse que não comentaria investigações policiais e processos ainda em andamento. Kassab afirmou que a Prefeitura de São Paulo apenas prestou apoio técnico para obra.

Ponto comum, Dersa é ligada a ex-aliado

A OAS e um dos citados na investigação sobre os contratos da marginal citam a Dersa como um elo do esquema. A Dersa é uma empresa de economia mista do governo do Estado, responsável por licitações de obras viárias.

O dono da Delta, Fernando Cavendish, preso em razão de outra investigação de desvios de dinheiro público, relacionou o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza a pagamentos de propinas das obras da marginal. A Delta era uma das empresas integrantes do consórcio responsável pelo projeto.