Ninguém da diretoria da Chapecoense sabia dos riscos? Certeza? Por Mauro Donato

Atualizado em 2 de dezembro de 2016 às 8:18

chapecoense - medellín

 

Paulo Carvalho é pai de uma das vítimas do incêndio na boate Kiss em Santa Maria. Desde que perdeu o filho e passou a olhar mais detidamente para casos similares, adotou um mantra: “Toda tragédia é anunciada”, ele repete desde 2013. Na boate Kiss, 242 jovens morreram em consequência de inúmeras leviandades.

A queda do avião que transportava o time da Chapecoense e mais um time de colegas jornalistas foi mais uma delas. Agora torna-se público que o piloto voou sem uma gota a mais de combustível além da calculada para o trajeto. Qualquer desvio ou imprevisto seria fatal. Como uma aeronove levanta vôo de modo tão irresponsável assim?

Ok, a perna do trajeto que vitimou as 71 pessoas a bordo tem origem na Bolívia e cada país tem regras próprias. Mas a diretoria da Chapecoense tinha ciência mínima de onde estava enfiando seus jogadores ou foi às cegas? Dirigentes e demais autoridades que ‘desistiram’ de embarcar e agora falam em ‘pressentimento’ são todos ultra-sensitivos ou sabiam da fama da tal LaMia e preferiram não correr o risco?

O ex-comentarista esportivo Raiam Santos é filho de piloto que por 30 anos voou pela Força Aérea, pela Varig, pela Jet Airways e hoje é diretor da ANAC. Após a tragédia ele conversou com o pai pelo telefone e imediatamente chegou à mesma conclusão que Paulo Carvalho tem desde que perdeu o filho em Santa Maria. Raiam disparou:

“É o seguinte: a tragédia da Chapecoense não foi uma fatalidade… Para ir do ponto A até o ponto B, você é obrigado a levar combustível para cobrir o trajeto A – B e mais 10% dessa distância. Se você está no Rio e precisa de 100 kilolitros para chegar até Belo Horizonte, você tem que levar 110 kilolitros lá dentro. Isso porque, se você chegar em B e o aeroporto estiver em más condições climáticas, você ainda tem autonomia para pousar em um aeroporto C.”

Essa responsabilidade cai sobre a companhia, sem dúvida. Mas Raiam levanta outras questões:

“Por que os diretores da Chapecoense não contrataram a Gol , a Tam, a Avianca ou até a Viva Colômbia para fazer o charter? Ao invés de pagar as companhias tradicionais como todo time brasileiro faz e cobrir o trajeto Guarulhos-Medellín num vôo nonstop de pouco mais de 4 horinhas, os responsáveis pela logística da Chapecoense preferiram contratar uma companhia aérea mambembe na Bolívia.

Pô, cara. Conexão de vôo cansa pra caramba, né? Os jogadores precisavam estar descansados para o jogo de quarta-feira. Foda-se! Vamos passar 6 horas a mais na estrada mas vamos economizar alguns milhares de dólares. Contrata o boliviano e vai pelo caminho mais longo mesmo… afinal, a LaMia tá cobrando bem mais barato pelo charter, né?”

A LaMia adotou uma prática que é de alto risco e sempre presente em discussões sobre aviação. O combustível é o maior gasto de uma linha aérea e muitas companhias por vezes podem tentar atalhos polêmicos. Em 2013 a Gol tentou reverter os prejuízos que vinha registrando propondo um bônus salarial a pilotos e comissários de bordo se eles economizassem combustível.

Amanhã haverá o velório coletivo no estádio da Chapecoense e talvez seja o epílogo da cobertura pela grande mídia. E depois? O tempo passa, a comoção causada pela tragédia esfria…

Com e demora nas investigações e sem punição de culpados, pais e familiares das vítimas da boate Kiss passaram a ser perseguidos e até processados (como Paulo Carvalho) por cobrarem justiça. Imagine o leitor se daqui algum tempo a esposa de um jogador X, inconformada, vai atrás de explicações, de justica, enfim, começa a se mexer, e é processada? Não é melhor começar já a cobrar explicações?