“Nós vamos descer o bambu”, diz Malafaia

Atualizado em 6 de junho de 2013 às 8:34

Em manifestação evangélica em Brasília, pastor sobe o tom na defesa da ‘família tradicional’.

“Nós vamos descer o bambu, meu filho. O couro vai comer. Vai ser bonito", prometeu Malafaia na manifestação
“Nós vamos descer o bambu, meu filho. O couro vai comer. Vai ser bonito”, prometeu Malafaia na manifestação

O artigo abaixo é de autoria da jornalista Magali do Nascimento Cunha, professora da Universidade Metodista de São Paulo com pesquisas em Mídia-Religião-Cultura. O texto foi publicado originalmente no blog de Magali.

Divulgada pela organização como a maior manifestação pública desde o “Diretas Já!”, aconteceu na tarde-noite deste 5 de junho, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a Manifestação Pacífica pela Família Tradicional e a Liberdade de Expressão, convocada pelo pastor da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia.

Até o início da noite a organização contabilizava 70 a 80 mil participantes, contra os 40 mil estimados pela Polícia Militar e os 100 mil esperados de acordo com a divulgação.

Seja qual for a quantidade na disputa das estimativas, um expressivo número de milhares de pessoas, predominantemente declaradas evangélicas, incluídas também católicas, atendeu à convocação de Silas Malafaia para se manifestar em defesa dos “valores cristãos” e da “família tradicional” e ouvir pronunciamentos de lideranças religiosas e dos políticos da Frente Parlamentar Evangélica, como o senador Magno Malta e o deputado federal presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Marco Feliciano.

Tudo embalado por canções de famosos artistas gospel, como Aline Barros, Bruna Karla, Thalles Roberto, Cassiane, André Valadão, David Quinlan, Eyshila e Nani Azevedo, que se apresentaram no mesmo palanque num show que durou até a noite.

O protesto foi marcado para as 15h, depois da sessão da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara que tinha como item na pauta o Estatuto do Nascituro.

A proposta aprovada dá direitos aos embriões em formação como forma de inibir os abortos e cria a “bolsa estupro”, ajuda financeira para mães que optarem por ter as crianças mesmo após a violência sofrida.

Pela lei brasileira, em caso de estupro, a mãe tem o direito de abortar o bebê. “Estamos trabalhando para aprovar”, disse o presidente de honra da bancada evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO), ao site Congresso em Foco.

Com linguagem um tanto destoante da proposta de manifestação pacífica, o pastor Malafaia antecipava em entrevista o tom que estabeleceu para o evento: “Nós vamos descer o bambu, meu filho. O couro vai comer. Vai ser bonito. (…) Eles vão tomar um pau que não vai ser brincadeira. Vou bater com vontade no CNJ”. (O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obrigou todos os cartórios do Brasil a realizarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo.)

A manifestação teve o apoio de lideranças evangélicas como R.R. Soares, Márcio Valadão, Edir Macedo, Robson Rodovalho, Luciano Subirá, José Wellington, Rina e Valdemiro Santiago.

Lideranças católicas como o cardeal de São Paulo Dom Odílio Scherer também apoiaram o evento, segundo a organização. De acordo com anúncio veiculado em cartazes, emissoras de TV e na internet, “até ateus” poderiam participar.

Manifestantes contra casamento gay
Casamento gay não

O evento foi aberto pelo pastor Jabes de Alencar, da Igreja Assembleia de Deus do Bom Retiro, em São Paulo, com uma oração e a execução do Hino Nacional Brasileiro.

Às 17h, cerca de 50 pessoas, entre parlamentares e líderes de diversas igrejas de estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais estavam no palanque.

Várias delas fizeram o uso da palavra para criticar coisas como a PL 122 (que criminaliza a homofobia), a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o projeto de discriminalização das drogas. Os oradores defenderam iniciativas a redução da maioridade penal.

Entre os líderes, o deputado Marco Feliciano e o pastor Silas Malafaia foram os mais ovacionados pelo público. Feliciano agradeceu e disse crer que o Brasil ainda terá um presidente evangélico e acrescentou: “A igreja mostra que tem força, antes do Estado vem a família e nós estamos aqui defendendo a família, que isso aqui seja um recado para os governantes”.

Silas Malafaia criticou com ironia a postura de Marta Suplicy contra os valores defendidos pelos cristãos: “Dona Marta, eu estou garantido pela Constituição do Brasil, eu critico o que eu quiser! Para nos calar terão que rasgar a Constituição. Eles nos acusam de ser fundamentalistas, mas eles são fundamentalistas do lixo moral.”

Malafaia convocou a multidão a declarar que “o povo de Deus unido jamais será vencido” por vários minutos e a fazer um jejum pela pátria brasileira para o 7 de setembro.

Malafaia provocou: “Quero ver o movimento gay botar 30 mil pessoas aqui no meio da semana. Raça é condição. Você não pede pra ser negro ou branco. Mas homossexualismo é comportamento”.

O pastor terminou o pronunciamento com uma oração: “Livrai o Brasil da desgraça social, das leis que venham prejudicar esse povo. Pai, levanta a tua igreja unida. Nós concordarmos, o Brasil é do Senhor Jesus”. Ele ainda mencionou na oração as autoridades governamentais e as leis “que venham a prejudicar o povo cristão”.

Um dos coordenadores da Frente Parlamentar dos Direitos Humanos, Domingos Dutra (PT/MA), disse que a manifestação deveria ser mais propositiva.

Para ele, o protesto tem como alvo também a presidenta Dilma Rousseff. “Além de uma pauta conservadora, tenta expor sua força para amedrontar a presidenta Dilma, às vésperas do pleito eleitoral”, disse Dutra ao site Congresso em Foco.

Malafaia negou a interpretação de Dutra: “Ele não sabe o que está falando. Ouviu o passarinho cantar e nem sabe o nome dele.”

Por deixar claro o tom com o qual a organização do evento lida com manifestações opostas, um incidente entre seguranças do evento e fiéis da Igreja do Evangelho Quadrangular não passou despercebido.

O pastor Celso Nascimento tentava pendurar no palanque uma bandeira com o símbolo da igreja formada por quatro quadrados de cores roxa, vermelha, amarela e azul, quando os seguranças pediram que ele se retirasse.

Igreja não pode ser calada, segundo esse fiel
Igreja não pode ser calada, segundo esse fiel

A assessora do pastor tentou intervir e houve confusão. Ele resistiu e foi retirado à força do local e do evento pelos seguranças. Segundo relato de manifestantes os seguranças interpretaram que a bandeira continha as cores do arco-íris e se referia ao movimento gay.

Mais tarde os seguranças tentaram justificar que a bandeira foi retirada porque não era permitida a fixação de objetos no palanque.

O conteúdo da manifestação não revelou surpresas. É fato que muitos fieis participantes de marchas e manifestações lá estão mais motivados pelo momento gratuito com as celebridades do universo gospel – cantores e as canções que embalam os eventos e pregadores midiáticos – do que pelos discursos e suas temáticas.

Isto não é novo: os “showmícios” das tantas campanhas eleitorais do passado já evocavam esta leitura e por isso estão proibidos pela Lei Eleitoral.

Mas é também fato que há uma resposta à convocação. A internet está cheia de espaços em sites, blogs e redes sociais preenchidos por manifestações das mais diferentes simples pessoas que expressam seu apoio a essa causa. Como interpretar este processo?

Os fieis das igrejas evangélicas no Brasil são hoje receptores de uma ação discursiva terrorista por meio de publicidade midiática em detrimento de uma busca por justiça e dignidade.

As lideranças buscam gerar impacto e visibilidade para um grupo político articulado (não necessariamente de legenda) por meio de uma lógica do terror que alerta para uma destruição da família, da vida e um silenciamento da voz das igrejas com a afirmação de um inimigo – os defensores do homossexualismo e do aborto – materializado em lideranças parlamentares e do governo federal petista.

Ao demonizarem os “inimigos”, o pastor Silas Malafaia, o deputado Marco Feliciano e seus aliados encontram uma fórmula de tentar adquirir controle político sobre expressivo número de fieis das igrejas que, na sua sinceridade e pureza, não consegue fazer uma leitura crítica desta estratégia e acredita estar adentrando numa cruzada que o coloca acima dos “infiéis” destruidores da vida e valores morais cristãos.

Há muito o que refletir e aprender deste processo na relação mídia-religião-política que está apenas começando.