Se há um mérito que não posso negar a Eduardo Cunha é o de ter ajudado a revelar, nestes tempos medonhos, a rebeldia e a resistência das mulheres brasileiras – aquelas que já politizaram a própria condição, aquelas que atendem pelo título – para eles machista e para nós elogioso – mulheres de grelo duro.
Digo nestes tempos porque, de fato, minhas antepassadas jamais precisaram da sordidez de homem algum para revelá-la (eu falaria de Maria Quitéria, Maria Bonita, Pagu e Olga, apenas para começar).
Mas, nesse capítulo tão importante e tão lastimável da história das lutas femininas – quando querem arrancar a força a primeira mulher que chegou ao poder – o asco e a revolta que sentimos diante do político mais sujo do país nos despertou.
Embora não esteja sozinho, Cunha se consagrou como o símbolo máximo da misoginia, do cinismo e do mau-caratismo, e a sua figura, por si só, seria capaz de nos unir para uma luta audaciosa. Eduardo Cunha representa tudo o que as mulheres desta geração abominam.
Não são, portanto, apenas os nossos direitos ameaçados que nos movem, ou ao menos não exatamente isto. O que nos move é ver esse espetáculo machista que eles protagonizam esmeradamente.
Também porque sabemos que derrubar Dilma é derrubar cada brasileira, mas principalmente porque sabemos que há – ou havia, felizmente – entre nossos representantes a o esteriótipo pronto de nossos algozes – e isso vai além do movimento organizado e político que é o feminismo.
É, mais do que nunca, uma luta quase instintiva. Um instinto de sobrevivência, eu me atreveria a dizer: quando se é mulher, luta-se ou morre-se (não apenas a morte física, mas também e principalmente).
Muitos são os nomes que me adoçam a boca e compensam a sensação nauseante de lembrar que Cunha existe: uma mulher torturada na ditadura voltou trinta anos depois e chegou à presidência. Isso é mais simbólico e mais representativo para nós do que se pode imaginar.
Além dela, muitas outras mulheres resistiram: como as milhares de brasileiras que foram às ruas contra Cunha – e as que vão às ruas todos os anos na Marcha das Vadias. Ou Erudina, com uma trajetória política impecável e uma ousadia necessária.
Luiza Erundina colocou nas mãos de Paulo Freire a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, e teve como secretária de cultura Marilena Chauí. Foi a primeira a ter organização suficiente para minimizar as questões habitacionais de São Paulo, restaurou bibliotecas e sancionou a lei de incentivo fiscal à cultura do município.
Agora, com 81 anos, peita Eduardo Cunha – o nosso máximo algoz – com a coragem e a ousadia dos vinte. Resiste bravamente a qualquer tentativa de silenciamento, fala mesmo sem microfones e desconcerta os golpistas.
Hoje, depois da queda do ex-Presidente da Câmara, subiu mais uma vez à Tribuna. Fez tanto barulho a ponto de Waldir Maranhão cancelar a sessão. Erudina é, agora, por exemplo, a inspiração das militantes que não permitem que um homem lhes tire o microfone.
As grandes mulheres do nosso país – em todos os sentidos que este termo abarca – não apenas influenciam este movimento de resistência, elas o são. Dilma segue resistindo ao golpismo e à misoginia, Erudina sentou-se na cadeira de Cunha, as brasileiras não se calaram diante do ‘bela, recatada e do lar’ da Veja, Katia Abreu atirou bebida em José Serra por ter sido chamada de ‘namoradeira’ – absolutamente nada nos passa despercebido.
Nossos grelos estão cada vez mais duros.